30 de dezembro de 2015

Os meninos jogam bola na rua em que moro

À tardinha, os meninos jogam bola na rua em que moro. Há, por parte deles, uma algazarra tremenda, mas é um barulho que energiza a rua, envivecendo-a. A alegria é constante e me faz lembrar de meu tempo de menino, em que havia também muito movimento nos campinhos de futebol.
A rua daquele tempo é aquela que já não existe. Foi-se no gargalo do tempo, só a memória sabe dela. Era uma rua de muitas brincadeiras que enlaçavam a criançada. Brincadeiras, brigas e pequenas intrigas entre os moleques; intrigas sem maldades, naturalíssimas. De todas as brincadeiras, o jogo de bola estava lá, disponível a todos os garotos.
Os campinhos se localizavam, quase todos, nos outões das casas, pertinho mesmo, no centro da rua. Assim, não havia momento de vadiagem em que não corrêssemos para lá, para correr atrás da bola, nem que fosse por um instantinho só. Se alguém vinha brigar conosco devido ao barulho, corríamos a construir outro campo, e todo mundo ia, como se jogar bola fosse sagrado.
Nós, moleques em idade de querer se mostrar, queríamos, todos, ser bons jogadores, para que quando chegasse a vez de um menino qualquer montar seu time, nos escolhesse. E os artilheiros? Nossa como eram disputados. O Cicinho jogava muito bem. Era, por isso mesmo, quem mais levava escorões e caneladas. Também era o mais enraivado dos meninos. Como possuía a melhor das propriedades - a bola -, e sendo também quem mais sabia dar dribles, não queria ficar partida sem jogar.
A jogada entrava nas bocas de noites. Nada paralisava os jogos de bola, nem mesmo a voz às vezes zangada de nossos pais a nos chamar para cumprir alguma tarefa. Nem sequer as queríamos ouvir, tão grande se fazia nossa alegria, como se a felicidade do mundo fosse aquilo tudo: uma bola.
Os meninos jogam bola e me trazem boas recordações. Me lembram que os jogos de bola coroaram, em sentido de consagração, a infância e juventude de tantos meninos, num tempo facílimo de se iludir com a vida. Aqueles jogos de bola serviam para amenizar a rudeza das nossas experiências pessoais. Jogar bola era o momento de esvair a lassidão dos nossos dias. Éramos, por um momento, meninos alegres apenas com uma bola: nem que fosse só para correr atrás dela.

30 de dezembro de 2015.

20 de novembro de 2015

Dia de lembrar das lutas...

Ao comemorarmos o Dia da Consciência Negra, data histórica no nosso calendário brasileiro, o fazemos não compreendendo que o negro seja um coitadinho, e sim que  ele teve e tem importância fundamental na constituição do nosso povo. Compreendemos que em nossas batalhas e lutas que nos trouxeram conquistas de direitos fundamentais sempre está presente a marca dos afrodescendentes. Marca que está também em nossa personalidade, em nosso caráter, em nossa predisposição para vencer.
Temos sorte porque temos uma comunidade como a Lagoa dos Crioulos que muito nos enriquece e nos orgulha com seus traços culturais. Apesar de pouco valorizada, a Lagoa dos Crioulos é expressiva em manifestações artísticas, religiosas e lendárias. Suas lendas nos fascinam completamente. Seus habitantes nos dão uma verdadeira lição de humildade e sobrevivência. Nesse sentido, nesta pequena ação que hoje realizamos, homenageamos a comunidade quilombola de Lagoa dos Crioulos.
Neste Dia da Consciência Negra, cabe-nos lembrar que os afrodescendentes originários são um povo que aqui no Brasil chegaram, vindo à força, e logo procuraram se adaptar aos costumes predominantes, porém também contribuíram com a sua cultura, seu modo de ser, suas crenças, saberes e lutas. Cabe-nos lembrar, mais que tudo, de suas batalhas por dignidade, por igualdade, pelo direito à liberdade, por valorização enquanto seres humanos.
É com vergonha que devemos lembrar também que os negros brasileiros já foram escravizados, por muito tempo submetidos ao trabalho forçado, servindo de propriedade alheia; que já foram maltratados, surrados e até mortos nas senzalas desumanas. Porém, com alegria, lembremo-nos ainda que esses mesmos que na história foram magoados também souberam lutar contra a dor e a opressão; muitos deram seu sangue em prol do reconhecimento de seu valor e de sua dignidade humana.
Lembremo-nos, por fim, que essa história de luta dos afrodescendentes por direitos e igualdade ainda não teve fim. Afinal, ainda vemos diariamente práticas preconceituosas e racistas contra essa população guerreira. Práticas irracionais e desumanas que ferem essas pessoas historicamente marginalizadas. Assim, é necessário lutar cada vez mais para entender que o preconceito e o racismo são posturas vergonhosas, que nada pode justificar. Mas essa luta que antes parecia só dos negros hoje é de todos nós, porque os negros são parte do que somos, de tal forma que se alguma coisa ou alguém os ferir estará também este algo ou alguém ferindo a alma de todos nós. É uma luta árdua, que faremos dia a dia, mas que não pode ficar só em palavras, e sim em atos.

Não existem raças distintas, a raça é uma só: a raça humana. Não é a cor da pele que definirá a grandeza das pessoas, e sim a condição de sermos pessoas e o nosso histórico de lutas. Tudo isso, nós negros temos de sobra. Que ninguém se culpe por sua cor, pois a grandeza humana está além, muito além da pele.

Mensagem proferida no Dia da Consciência Negra, no Primeiro Evento de Cultura Afro-brasileira na escola José Valdemar de Alcântara e Silva.

1 de novembro de 2015

Ela não nos criou

De vez em quando, na escola ou noutros espaços sociais, defronto-me com gente de pensamento grande, de mente aberta e de atitude crítica perante situações preocupantes, senão caóticas. Numa dessas, enquanto eu dava aulas numa turma, perguntei a uma aluna o que a preocupava. Sua resposta me permitiu pensar, repensar e pensar ainda um pouco. Ela me disse que já não suportava mais a intensidade com que as pessoas utilizam os aparelhos celulares, alheando-se dos acontecimentos em tempo real e das outras pessoas.
Aquilo me impressionou muito. Me impressionou a ponto de eu questionar se realmente a tecnologia representa mesmo um avanço ou um retrocesso na vida dos homens. Daí veio a percepção de que se a tectonologia induz os indivíduos a esquecerem de si mesmos, a fugir de suas circunstâncias, a desviarem-se das coisas reais e dos outros, ela não pode ser positiva. Não pode porque desumaniza, porque mumifica, por um tempo, a possibilidade de se fazer humano.
Quanto mais os dedos vão deslizando, de clique em clique, mais os sujeitos vão sendo apoderados pela dimensão virtual, oportunizando à tecnologia o domínio sobre o homem. Dominação facilmente percebida no uso descontrolado e faminto de aparelhos e redes.
Não se pode falar em evolução quando a elegante tecnologia substitui as relações autenticamente humanas. Evoluídos parecem os povos que nunca a tiveram. Por isso que, às vezes, quanto mais as pessoas sonham com luz mais permanecem na escuridão.
Quando eu fui criança e adolescente morei no campo, e o que alegrava as noites era a caminhada pelas estradas semi-escuras, rumo a casa dos vizinhos para conversar e tomar café ao redor de fogueiras. Em casa, nada nos tomava o fôlego para conversar, nada nos desviava dos outros. Só que com a chegada da luz elétrica, da televisão, as relações se modificaram. A harmonia virou caos. Já não se faz visitas a ninguém, e tem horas que a conversa vira mudez de múmia.
Não é mal que essa lógica tenha que se inverter. A tecnologia não se criou para nos dominar, mas sim para ser dominada por nós. E a dominamos se não a deixamos nos roubar a humanidade, se não lhe permitimos dirimir o aconchego do outro, se a controlarmos a ponto de usar seu potencial criativo para realizar nossas possibilidades humanas. 

1 de novembro de 2015

9 de setembro de 2015

Cada macaco em seu galho

Foi muito recentemente que me passou essa ideia pela cabeça: se cada um de nós denunciasse as injustiças do mundo, as desumanidades, quão melhor o mundo, ou pelo menos o nosso entorno, se tornaria. Seria um gesto de grandeza e de coragem, sendo que esta última não é tão fácil possuir quanto a primeira, sem a qual a outra não basta.
A coragem, num mundo de constantes perigos como o nosso, é algo raro. Por conta disso, a gente se acostuma a ver, a nossa volta, uma série de crueldades, e, para não nos envolver, fingir que nada presenciou. É uma criança agredida, é outra que não vai para a escola; de quando em vez, há um idoso desrespeitado em seu próprio lar ou fora dele, bem perto de nós; também não muito longe, homens de porte animalesco batem em suas mulheres e as privam de alegria; a um passo de nós, assistimos as ordens da corrupção, da tirania, do abuso de poder, que nossos olhos desesperançosos já se acostumaram a não ver, vendo.
Porque a ordenança é que cada macaco mantenha-se em seu galho, sob pena de não ter que pagar pelos outros. E desse jeito a gente vai atendendo essa ordem bruta; afinal, ninguém quer estar em perigo, correr risco. Estar cômodo é tão bom, dizia o filósofo Kant, porque justamente não traz risco. Comodismo este que nos vai, dia após, causando a ruína de nossa vida.
Se o medo opera, parece que a maldade põe-se naturalizada. Se houvesse compreensão por parte de todas as pessoas, pelo menos as de sã consciência, de que o mal não tem justificativa (utopia irrealizável), tudo seria bem diferente. Ou se pelo esse mundo garantisse proteção a quem se aventurasse a melhorá-lo (por enquanto, mais uma utopia)...
Resta-nos a esperança na efetivação daquilo que chamamos direitos humanos. Enquanto isso, cada macaco no seu galho, e dane-se a humanidade.

9 de setembro de 2015.

28 de julho de 2015

Repetir por repetir, que perigo

            Coisa muito comum, no dia a dia, é as crianças, sobretudo as menores, repetirem o que fazemos. Nisso vejo um pouco de bom, dado que as boas práticas precisam de repetição, mas também há um pouco de negativo, já que nem tudo que fazemos na nossa vida ora desordenada e instável, é digno de exemplo. Fato incontestável, porém, é que os pequenos procuram imitar o nosso passo, o que parece natural, seja ele bom ou desastroso.
            Meu filho, de dois anos e meio, quer repetir as minhas ações, gestos, palavras etc. Ele quer descascar o ovo cozido, quando o estou fazendo; quer pegar a própria água de beber, no momento em que eu também bebo água; quer passar as páginas do livro de estórias infantis e ler as imagens sempre que lhe conto essas estórias; quer ser meu professor quando o estou ensinando as letras do alfabeto. Até aqui, tudo bem. Mas o menino, incapaz ainda de discernir certas ações, também repete as palavras impróprias quando as ouve da boca de alguém, as brincadeiras deseducativas, os gestos que nenhum pai de família deseja ver praticados por um filho seu.
            Às vezes, contagiados pela alegria de nossas crianças, incitamos-lhes a reproduzir comportamentos inadequados, o que representa uma falha na nossa responsabilidade enquanto educadores. Noutros instantes, quietas a assistir determinados programas, aprendem a repetir maus ou bons movimentos que veem fazerem os personagens. As crianças estão propensas a tomarem como exemplo tudo que percebem.
            Isso de repetir toda e qualquer ação, por parte das crianças, exige grande cuidado dos pais. Por um lado, se um menino ou uma menina repete o feito de outrem mostra, pelo menos, que é ativo, que tem iniciativa. Por outro lado, porém, está sujeito a se desvirtuar, pela carga de negatividade que o ato de repetir imprime a nossas vidas.
            Por isso, é preciso que se ofereça aos pequeninos a oportunidade de repetição com correção, o que exige dos pais e de outras pessoas com as quais convivem uma intervenção para provocar a boa aprendizagem. Repetir por repetir, nesse caso, não tem nenhum fundamento educativo. Necessário se faz que as crianças possam pensar sobre o que os outros fazem para compreenderem quando repetir ou não aquelas ações. E se nos faltar a coragem de tomarmos essa importante iniciativa frente à vida de nossas crianças, as estaremos entregando à sorte e ao acaso. E todo mundo sabe o risco que isso representa.


28 de julho de 2015

29 de junho de 2015

O fim do começo


Quando procuramos saber a história de Salitre, percebemos imediatamente o quanto que a cidade evoluiu. Muitos atores sociais fizeram parte desse progresso, tornando-se responsáveis por ele. E parte dessa evolução se deve à educação, ao papel dos professores e das professoras nas escolas do município, na sede e na zona rural.
Nós, salitrenses, uma vez já estivemos privados de liberdade. Já houve quem dissesse e afirmasse a nossa menoridade. Parecíamos, a essas pessoas, uma população sem chances de crescer, de mudar para melhor. Mas a partir do momento que descobrimos que a educação podia nos ajudar a realizar nossas aspirações, nossos sonhos de uma vida melhor, começamos a crescer, a aparecer, a honrar o nome da nossa amada cidade – Salitre.
Nós, salitrenses, lutamos muito para estar na história, e pela educação decidimos ser alguma coisa.
A educação, através das escolas, é capaz de transformar a vida das pessoas; transformar para melhor. É ela quem traz as promessas de um futuro digno, de qualidade de vida e de garantia das mesmas oportunidades a todo um conjunto de pessoas.
Nossos ilustres representantes se formaram em nossas escolas. Os estudantes brilhantes sentam em suas cadeiras e aprendem o conhecimento que transforma sua mentalidade. Nossos profissionais passaram também por essas escolas. Nossos poetas, nossos pintores, nossos cantores, nossos artistas de modo geral aprenderam a soletrar as primeiras sílabas nas escolas Antonio Leite de Alencar, Francisco Viturino de Luna, Francisco de Assis Leite e nas demais escolas.
Ao perceber que podíamos fazer a educação do nosso jeito, demos um passo muito grande em nossas próprias vidas.
A educação dessa cidade fez muito por nós, mas é preciso aceitar que estamos “no fim do começo e não no começo do fim”, como disse Mario Sergio Cortela. Isso quer dizer que há mais por fazer, há muito. O que temos para hoje é a certeza de que o caminho é esse – investir na educação das pessoas, na sua escolarização.
Somos um povo que cresceu com dificuldade, e isso nos dá maior orgulho. Com dificuldades também haveremos de crescer ainda mais. 
Nesse projeto de melhorar sempre mais a nossa condição, buscaremos na educação o maior auxílio. A educação será o nosso escudo, a nossa arma, o remédio para muitas de nossas mazelas. Porque um povo, se almeja vencer, o fará olhando primeiro para as escolas. Lá está o futuro, lá está a esperança de dignidade. Nós temos essa compreensão, assim, já andamos meio caminho.


11 de junho de 2015.

25 de maio de 2015

Madrigal a Nossa Senhora da Conceição

Umas das experiências mais bonitas de que me lembro em pequeno, na verdade ainda jovem, era quando eu me sentava à mesa para rezar com minha mãe a sua novena de Nossa Senhora da Conceição. Isso acontecia,invariavelmente, aos sábados, na hora do ângelus. 
Por essa razão, criei-me cristão, temente às forças divinas. Cumpri todo o ritual da igreja, batizando-me, fazendo primeira comunhão, crisma, me casando também. Como a cultura familiar me incentivou a ser cristão, é difícil, ou mesmo impossível, negar seus valores, muito positivos em minha trajetória como pessoa.
E hoje, pensando em tudo isso, escrevi um poema à santa de quem minha mãe é devota:


MADRIGAL A NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO

Nossa Senhora
Da Conceição,
Que belo poder
De alegrar,
Da minha mãe,
O coração.

Ainda pequeno
Aprendi a rezar –
Mãe me ensinou –
Tua oração.
Sentava à mesa
E, de joelhos,
A vela acesa,
Pedia compaixão.

Eu pedia pouco
Sem desconfiar
De teu poder.
Nossa Senhora
De mãos gentis,
Nunca sentei
Para rezar
Sem poder crer.

“Ouve Mãe de Deus
Minha oração,
Toque em vosso peito
Os clamores meus”.
Nossa Senhora
Da Conceição,
Confortadora,
Nas noites difíceis,
Dos filhos teus.

Nossa Senhora
Da Conceição,
Minha mãe tem
No quarto
A santinha de oração,
protetora de vigília.
Nunca esqueço
Que minha mãe
Sempre Te pediu
O conforto para
nossa família.

Bendita és
E divina também
Por ouvires
Minha mãe
Sempre que
Fechava o livrinho
E dizia amém.
Nossa Senhora
A quem creio
E a quem quero bem.



Ao rezar, minha mãe o fazia pela nossa família, pelo bem dela, pela felicidade dos filhos, por uma vida sem tribulações. Essa atitude dela repercutiu em mim, tornando-se a base de minha vida. 
Há uma tremenda desconfiança das pessoas em relação à religiosidade, quase sempre justificada pelo papel das igrejas no decorrer da história, voltado o corrompimento da doutrina cristã, quando procuraram ou procuram conciliar fé, poder e dinheiro.
Mas a religiosidade, não como instituição, tem uma serventia, uma função muito bonita, que em muito se parece com a educação, que é tornar as pessoas melhores, mais humanas. Isso a educação faz pela disseminação do saber, que não é suficiente. Porque não basta a uma pessoa ser profundamente inteligente para que também seja humana. É preciso também um valor complementar, e creio que a religiosidade (com igreja ou sem) auxilia nesse sentido, ao fazer com que os homens no mundo busquem um sentido para suas vidas.

25 de maio d 2015.

17 de maio de 2015

Quem são eles, os estudantes?

Quando vou ministrar aulas, às vezes o comportamento dos alunos me apavora, por vezes me desilude, mas também me provoca uma série de indagações. Indagações difíceis de responder, merecedoras de atenção, já que é necessário compreender esses jovens para poder fazer algo por eles. 
Quem são esses jovens que mal nos deixam dar aulas? Por que a sede de conversa e de balbúrdia é maior que a sede de conhecimento? Por que tanta brincadeira, tanta ironia, tanto descaso com a tarefa de aprender? De onde vieram, tão cheios de liberdade e indiferentes ao outro? Que são eles, o que querem, o que os determina é o que sempre eu me pergunto.
Eu devia ter raiva diante da confusão, das conversas, do pouco caso, e, com a voz de comando e autoritarismo, mandar meia dúzia a casa, castigando-os, ordenando que voltem dias depois acompanhados de seus pais. Porém, descobri que não é deles que eu devo ter raiva; devo ter de sua condição, da vida que carregam, do meio em que vivem; raiva, muita raiva ao pão que não comem, aos livros que não leem, ao incentivo que não têm. Porque o que eu vou ganhar tendo ódio de quem está frustrado por não ter um pai, ou por ter sofrido, no caminho da existência, uma grande opressão? Muitos dos nossos estudantes têm essa cara frustrada e oprimida. Junto a essa face dos nossos jovens tem sempre um pouco de medo, de insegurança, de desejo, nada herdado nem posto em sua natureza, mas sim amealhado no caminho de suas vidas.
Uma professora certa vez disse que estudantes só mudam de endereço, porque, no geral, são idênticos, pois em qualquer escola provocam situações de instabilidade.
Essa juventude plural domina as suas casas e propõe também a dominação da escola. Ela têm um poder forte que se manifesta em indisciplina, revolta e insubordinação, em excesso de liberdade e na escassez de responsabilidade. Talvez não se dê conta que é um falso poder, já que é feito da insegurança e de medo. Quem sabe na hora em que o perceberem, passem a aceitar a escola melhor, e até querer uma escola melhor. Quem sabe percebam que o conhecimento lhes ajudará a construir outra vida, a lutar contra aquilo que lhes enfraquece e amedronta.
Essa percepção que os jovens precisam ter sobre a escola e o conhecimento depende muito de nós, professores. Não para mudar sua vida, mas para inspirar neles essa transformação. Difícil, é muito difícil. Fazer com que os estudantes queiram de verdade aprender algo é o maior desafio na escola. E sem o gosto, não aprenderá nada. Forçar alguma coisa servirá para adestrá-los, não para educá-los. Forçar quem, pela vida, já é forçado, a meu ver, é acabar de matar.

17 de maio de 2015


29 de abril de 2015

A praga da opressão

O comportamento mais difícil, dificílimo, de entender e de aceitar é o daqueles que querem privar os outros de liberdade, que acorrentam-nos em suas precariedades, forçando-os a viver molestados, que os querem condenar sem dó nem piedade.
Quando digo “privar de liberdade” digo em sentido profundo. Porque a carência de liberdade pode ocorrer quando me impedem de falar ou de agir de acordo com uma vontade minha, se ignoram uma ideia que eu tenho... Mas isso nem é um problema grave perto de outras privações. Mais privados de liberdade estão aquelas pessoas que vivem cabisbaixas, violentadas em seus lares, sem poder seguir rumo senão o da submissão. Sem liberdade, essas pessoas confinam-se em seus cantos, amedrontadas, doentes, depressivas. Trocam sua felicidade pela proteção dos outros, se sujeitam a tudo quando são ameaçadas, punidas. Nesse momento só uma escuridão povoa as suas vidas.
E são muitas... Meu Deus, parece que é um número infinito de mulheres que vivem agredidas pelos seus MACHOS, nessas cidades pequenas, cujas leis parecem não existir. Nessas cidades onde a tradição desgraçada acostumou as pessoas a se sentirem infelizes, incrustando em sua natureza o temor, a aceitação da barbárie. Tradição decrépita que ensinou também a muitos sujeitos a querer dominar os que vivem consigo, colocando-lhes cabrestos com rédeas curtas.
Em troca de quê tira-se a liberdade de outrem? De um capricho ou de coisa parecida. Não é preciso muito conhecimento para aceitar que ninguém pode ser convertido em objeto de posse de ninguém. O sentimento de posse é uma doença, uma praga. A erradicação desse mal traria alegria a tanta gente. Eu precisei ter uma irmã carente de libertação para dizer isso? Não precisei, embora isso me fortaleça a ideia. Me ajuda a mostrar que não invento teoria, e sim escrevo baseado no que percebo, percebo e detesto.
Sartre tinha razão ao dizer que o homem está condenado à liberdade. A grande pena é que essa liberdade salva a uns, mas desgraça e condena a outros.

28 de abril de 2015

8 de março de 2015

Das tantas mulheres, uma eu não tive

No dia em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, penso no quanto uma presença feminina pode fazer falta na vida de uma pessoa. Eu tenho algumas frustrações e uma delas está relacionada diretamente a isso: é que, como muitas pessoas no mundo, eu não pude conhecer uma das minhas avós, a materna, que adormeceu antes mesmo de eu nascer, gerando a mim uma melancolia que, sem dúvida, não há de ser sanada nunca.
Não se pode comparar a perda de uma avó à perda de uma mãe, que é personagem mais forte em nossas vidas, ou melhor, personagem principal, por vezes determinante na vida de qualquer pessoa. Porém, eu tenho mãe, dessa alegria eu não fui poupado (devo dizer graças a Deus), o que a existência não me concedeu fora a outra avó, então, na minha constituição enquanto pessoa ficou uma lacuna irreparável.
Costumo, em meus momentos de reflexão, pensar que se a houvera conhecido construiria laços afetivos que não consegui construir com minha outra avó nem com meus avôs. Carência de afetividade, todo mundo sente um pouco alguma vez. Mas, tirando esse desejo afetivo, conheceria também uma outra filosofia de vida, outro modo de ser, sem dúvida diferente, uma vez que todo ser humano é ímpar. 
Lacuna maior ficou na vida minha mãe que, mesmo sendo mulher, viveu na pele  o que a falta de outra mulher, sua mãe, provocou na sua e na trajetória de seus irmãos. A começar pela separação da família, pois meu avô se casou novamente, sem assumir os filhos, que foram acolhidos pelos avós maternos. Além de perder a mãe, minha mãe ainda não teve irmãs, e já a vi dizer que sentia muito esse fato.
A mulher é a representação viva da sensibilidade, do amor incondicional. Na maioria das vezes depende dela, ou de quem represente esse papel, o sucesso ou não da vida familiar. Se um homem disse a seu filho pequeno: "Meu filho, não escute sua mãe", perderá seu temo, tão grande é a força da mulher, da mãe. E se um dia a vida de todas as pessoas se escusasse dessa sensibilidade feminina, não haveria caminho a andar, nada mais teria futuro algum.

8 de março de 2015

14 de fevereiro de 2015

A rotina positiva

Parece que há um mal entendido em relação à rotina de nossas vidas, pois até hoje todas as vezes que ouvi alguém mencioná-la foi para desmerecê-la, como se, em algum momento, não pudesse ter outra face, não pudesse ser boa.
Geralmente, as pessoas falam de rotina como sendo algo estafante, comum e repetitivo. Trabalho de rotina, por exemplo, é aquele que se faz todos os dias, mnemonicamente, constantemente cansativo e esdrúxulo. Dizer que um casamento está em crise significa dizer que caiu na rotina.
O sociólogo Zygmunt Bauman já dizia que o que nos faz ver a rotina com maus olhos, não a tolerando, é o fato de, desde que éramos pequenos, termos nos acostumado a desejar as coisas descartáveis, para serem depois substituídos com fúria. "Não conhecemos mais a alegria das coisas duráveis, fruto do esforço e de um trabalho escrupuloso", afirma ele. 
De fato, o frênesi da vida contemporânea nos impôs essa ideia de que a rotina é algo negativo e do qual não se pode tirar proveito nenhum. Claro que não se pode descartar a possibilidade de existirem determinadas rotinas no mínimo degradáveis, entretanto, há também rotinas saudáveis. Toda rotina, se sinônima de tédio, pode ser nefasta. Ao mesmo tempo, é injusto referir-se à rotina, em geral, como se ela não pudesse gerar alguns frutos que, como Bauman diz, podem ser duradouros.
Não posso acusar de mau o fato de, quase todos os dias, o menino do vizinho se dirigir a mim, pedindo que eu o ajude nas tarefas da escola, assim como não posso permitir que um livro permaneça fechado por longos dias, nem de deixar de brincar com meu filho... De certa forma, se na vida eu tivesse uma rotina produtiva, ela poderia ser completamente uma bagunça, senão um desespero.
Falemos em rotinas, em más, em boas. Mas queiramos, sobretudo, a rotina positiva, que imputará a execução de coisas boas. Essa rotina precisa ser como um poema agradável, belo e construído. Desse modo, essa rotina não nos cansará, não parecerá um tédio, ainda que seja exigente. Afinal, as atividades mais dolorosas são, às vezes, as que mais produzem. 

14 de fevereiro de 2015

22 de janeiro de 2015

Os heróis anônimos

Faz uns dias que eu penso no seguinte: quem quiser fazer o bem a seus pais, não os faça sofrer; ou, radicalmente, eu diria melhor: apronte-se de um tudo nessa vida, mas não se perturbe os pais, porque isso seria cometer um crime.
Esta ideia nasceu em minha cabeça motivada por tudo que percebera, por tudo que vejo ocorrer em relação às famílias, casos bons e degradáveis que diretamente envolvem os pais.
Imagine-se uma mãe que, depois de imenso sofrimento para cuidar do filho, convive com as ameaças dele; pense-se numa senhora idosa, cuja vida já levou o bom tempo, vivendo uma escravidão familiar. E pense-se ainda nos pais depressivos, ou porque os filhos perambulam pelos maus caminhos, ou porque estão acometidos por um mal medonho. E esses meninos, jovenzinhos, usuários de drogas ilícitas, quanto temor não causam a seus pais; essas meninas mortas-vivas nos horríveis casamentos, quanto temor oferecem a seus progenitores... 
Toda adversidade para um filho é também uma adversidade para o pai e para a mãe. Quando fiz o vestibular pela primeira vez sofri de medo, tristeza e ansiedade, mas vi nos olhos de minha mãe que ela sentia o mesmo que eu. Certas vezes, tomara decisões que pouco ou nada agradaram aos meus pais, sobretudo quando passei a querer vida própria, livre de enfias, porém eles aceitaram, pois viam-me contente e resoluto.
No Cristianismo há um mandamento sagrado: deve-se amar ao próximo como a si mesmo. E me parece que os pais são os primeiros e os melhores a cumprirem-no, porque amam os filhos sem medida, sem distinção, sem limite. Tomam decisões que, agradem ou não, resultam no melhor. Aliás, é preciso ser pai ou mãe para poder compreender a essência desses seres.
Se houver mesmo inferno e paraíso, como rezam as religiões, os pais deviam automaticamente ser contemplados a se sentarem nas cadeiras do paraíso, uma vez que ter filhos já implica em muito sofrimento.
A grande maioria dos pais quer a felicidade dos seus, felicidade esta que se resume em todos os filhos estarem bem, sem problemas que os agrave. Se há amor verdadeiro, é o amor dos pais pelos filhos. As outras categorias amorosas são meras adaptações desse amor essencial. E graças a tal amor é que os pais verdadeiros são personagens eleitos da vida sem fantasia; são, na verdade, nossos heróis anônimos, nossos protetores de todas as horas que em troca dessa proteção só querem a felicidade dos filhos, unicamente isso. Felicidade que, como pensava Aristóteles, é a junção de todas as coisas boas. 
Não devemos a vida aos nossos pais pelo simples fato de eles nos terem gerado, e sim pela intensidade com que eles se tornam nossos companheiros. Companheiros imediatos. Por isso há-se de criar uma cultura que tire os pais do anonimato, que os respeite e os coloque no topo do pedestal. Nunca será a retribuição de um favor, que eles não querem isso, e sim uma questão de honra, coisa que devemos exigir de nós mesmos.

22 de janeiro de 2015