3 de março de 2017

CRÔNICAS DA CIDADE ------- A casa da memória

Ao adentar, como eu não fazia há algum tempo, na casinha verde desbotado onde minha avó materna morou por muitos anos, veio-me à mente algumas lembranças súbitas. Fica na Rua São Pedro, 372, no Centro da cidade. Mas antes preciso esclarecer o estado atual da minha avó: não dormiu seu sonho maior. Vive acolá, numa cadeirinha localizada por sob um pé de pau, numa rua que não é a dela; porém, determinada pela idade e sem muita saúde, foi expulsa pela vida de seu casebre.
Na sala, os dois sofás empoeirados pelo tempo dão a mesma aparência dos velhos tempos. Rodeiam-nos dois quadros antigos muito comtemplados por mim. Outros quadros, mas de um time de futebol, abraçam as pareces, enfileirados. Ali mesmo, ao lado da sala, havia um quartinho onde eu dormi tantas vezes, quando estava com a minha avó. Foi lá, nas madrugadas, que ouvi seus movimentos na cozinha, mulher madrugadora que sempre foi.
Naquela cozinha, apertadinha, a mesa e alguma cadeira são as mesmas. É também o mesmo o fogão vermelho, de trempe velha e fumacenta. Muito vapor saiu dali, e muita comida saborosa, inclusive o frango de sempre que eu tanto adorava. Naquele fogãozinho minha avó fez muito café forte para bebermos antes de subirmos a Serra, de madrugada e a pé, aonde íamos trabalhar e pegar passarinhos nas arapucas. Ali, na cozinha, era o lugar preferido dela para sentar-se, acender o cachimbo e fumar.
Colado á cozinha há o quartinho em que ela dormia. No canto esquerdo jazia uma mala velha, que os museus adorariam acolher, que guardava seus pertences. Uma caminha também cheia de velhice espremia-se lá, no outro canto. Ali cheguei tantas vezes, cedo da noite, chamando a velhinha:
--- Êh, não vai não! Isso é hora de dormir?
A areazinha também me lembra bons momentos. Os vizinhos punham-se sempre ali, enquanto minha avó estivesse. Ali falavam da vida alheia, sempre com muita risada. As pessoas sempre adoraram o humor da minha avó. Brincar e dizer pilhéria ainda é de seu gosto.
Olhando aquela casa tenho a sensação ilusória de que o tempo não passou, de que tudo é como antes. Naquela casa, assim como em outras, minha avó viveu boa parte de sua vida. É a casa da memória. Agora, onde reside, não tem muito o que mostrar. Está esquecida. Está sozinha, seus filhos criaram asas grandes de mais, foram-se pelo mundo. E dói-me a certeza de que um dia vou perder a única avó que tive. Uma grande mulher. Só não preciso esperar que ela se vá para dizer aos outros que a amo, de dizer o quanto ela representa na minha vida.
Certamente, aquela casinha vai se modificar. Mas a história dela passada não vai. Porque a história de nossas vidas pode ser esquecida pelas pessoas, mas nem o gargalo do tempo a destroí.

3/3/2017