Quando alguém surge para lhe ver ela
está lá, sentada num tamborete dos antigos, tendo em uma das mãos um pedaço de
pau que tem serventia de um bastão. Quem é ela? É Dona Elvira, aquela que diz
sempre, quando a gente põe um pé do lado de fora, querendo sumir-se estrada
afora:
-- Mas tá
cedo, tola!
Essa mesma
imagem, já teatral mas verdadeira, se repetiu na última vez em que fui vê-la,
no Pé da Serra, onde mora numa casinha pequena.
Dona Elvira
nasceu no Brejo Santo, cidade em que morava com a família. Um dia, tendo
casado, passou a andar por outros rumos. Outro dia, só que ruim, o esposo
morreu, deixando-a sozinha no mundo, já que a pobrezinha não conseguiu ver mais
nenhum dos seus familiares.
-- Pense
como ele era bom forneiro! - ela faz questão de afirmar em conversa com os
visitantes.
Dessa vez,
estando em seu lar, disse o que outras vezes me dissera: como conheceu o
marido, homem bom, bom aos extremos. Mas se repete toda a história não o faz
por caduquice, e sim porque sente que, na vida, sofreu imensa perda. Imaginemos
o quanto já não chorou essa mulher que é sem mãe, sem pai, sem esposo, sem
filhos, sem ninguém que seja seu.
Entretanto,
mesmo desaparentada têm muitos amigos que lhe gostem, pessoas de família com
quem viveu seus anos de solidão e que, por irem ter com ela, recebem mil
agradecimentos pela visita.
Essa
velhinha de noventa anos que pouca gente conhece, é a maior mulher dessa
cidade, desapegada a qualquer bem, que vive no centro da cidade quase que com
sacrifício, pois teve que abandonar a sua casinha do campo de viver tranquilo e
alegre.
O que resta
de sua morada é um pote grande, de barro, de água doce, e uma velha e
encarvoada fornalha fumacenta, que faz a comida mais saborosa desse pedaço de
chão.
Ninguém dessa
cidade, nem os homens mais ilustres, há de compreender todo o valor dessa
mulher, agora velha e magra, trepidante e sem muita saúde. Essa mulher que
antigamente fazia novenas para São José, seu santo adorado, como muitos que ela
tem pendurados na parede, quando a sua casa enchia-se de gente para rezar e
saborear os deliciosos biscoitos de goma. Mulher que, mesmo sem um broto seu,
foi mãe de tantos filhos, já que aqueles que a estimam o fazem como filhos
seus. Essa mulher – essa grande mulher - , se tem algum contentamento na vida é
quando vê um certo ser adentrar porta adentro para ouvir suas memórias
repetidas, tomando o café de gosto inconfundível. Se lhe resta alegria é no
instante em que pode, após a conversa com o visitante, dizer, seja ele quem for:
-- Mas tá
cedo, tola!
Essa é Dona
Elvira. Dona Elvira, a grande mulher salitrense.
01 de abril
de 2014.