4 de abril de 2014

Crônica a uma grande mulher

Quando alguém surge para lhe ver ela está lá, sentada num tamborete dos antigos, tendo em uma das mãos um pedaço de pau que tem serventia de um bastão. Quem é ela? É Dona Elvira, aquela que diz sempre, quando a gente põe um pé do lado de fora, querendo sumir-se estrada afora:
-- Mas tá cedo, tola!
Essa mesma imagem, já teatral mas verdadeira, se repetiu na última vez em que fui vê-la, no Pé da Serra, onde mora numa casinha pequena.
Dona Elvira nasceu no Brejo Santo, cidade em que morava com a família. Um dia, tendo casado, passou a andar por outros rumos. Outro dia, só que ruim, o esposo morreu, deixando-a sozinha no mundo, já que a pobrezinha não conseguiu ver mais nenhum dos seus familiares.
-- Pense como ele era bom forneiro! - ela faz questão de afirmar em conversa com os visitantes.
Dessa vez, estando em seu lar, disse o que outras vezes me dissera: como conheceu o marido, homem bom, bom aos extremos. Mas se repete toda a história não o faz por caduquice, e sim porque sente que, na vida, sofreu imensa perda. Imaginemos o quanto já não chorou essa mulher que é sem mãe, sem pai, sem esposo, sem filhos, sem ninguém que seja seu.
Entretanto, mesmo desaparentada têm muitos amigos que lhe gostem, pessoas de família com quem viveu seus anos de solidão e que, por irem ter com ela, recebem mil agradecimentos pela visita.
Essa velhinha de noventa anos que pouca gente conhece, é a maior mulher dessa cidade, desapegada a qualquer bem, que vive no centro da cidade quase que com sacrifício, pois teve que abandonar a sua casinha do campo de viver tranquilo e alegre.
O que resta de sua morada é um pote grande, de barro, de água doce, e uma velha e encarvoada fornalha fumacenta, que faz a comida mais saborosa desse pedaço de chão.
Ninguém dessa cidade, nem os homens mais ilustres, há de compreender todo o valor dessa mulher, agora velha e magra, trepidante e sem muita saúde. Essa mulher que antigamente fazia novenas para São José, seu santo adorado, como muitos que ela tem pendurados na parede, quando a sua casa enchia-se de gente para rezar e saborear os deliciosos biscoitos de goma. Mulher que, mesmo sem um broto seu, foi mãe de tantos filhos, já que aqueles que a estimam o fazem como filhos seus. Essa mulher – essa grande mulher - , se tem algum contentamento na vida é quando vê um certo ser adentrar porta adentro para ouvir suas memórias repetidas, tomando o café de gosto inconfundível. Se lhe resta alegria é no instante em que pode, após a conversa com o visitante, dizer, seja ele quem for:
-- Mas tá cedo, tola!
Essa é Dona Elvira. Dona Elvira, a grande mulher salitrense.


01 de abril de 2014.