20 de novembro de 2015

Dia de lembrar das lutas...

Ao comemorarmos o Dia da Consciência Negra, data histórica no nosso calendário brasileiro, o fazemos não compreendendo que o negro seja um coitadinho, e sim que  ele teve e tem importância fundamental na constituição do nosso povo. Compreendemos que em nossas batalhas e lutas que nos trouxeram conquistas de direitos fundamentais sempre está presente a marca dos afrodescendentes. Marca que está também em nossa personalidade, em nosso caráter, em nossa predisposição para vencer.
Temos sorte porque temos uma comunidade como a Lagoa dos Crioulos que muito nos enriquece e nos orgulha com seus traços culturais. Apesar de pouco valorizada, a Lagoa dos Crioulos é expressiva em manifestações artísticas, religiosas e lendárias. Suas lendas nos fascinam completamente. Seus habitantes nos dão uma verdadeira lição de humildade e sobrevivência. Nesse sentido, nesta pequena ação que hoje realizamos, homenageamos a comunidade quilombola de Lagoa dos Crioulos.
Neste Dia da Consciência Negra, cabe-nos lembrar que os afrodescendentes originários são um povo que aqui no Brasil chegaram, vindo à força, e logo procuraram se adaptar aos costumes predominantes, porém também contribuíram com a sua cultura, seu modo de ser, suas crenças, saberes e lutas. Cabe-nos lembrar, mais que tudo, de suas batalhas por dignidade, por igualdade, pelo direito à liberdade, por valorização enquanto seres humanos.
É com vergonha que devemos lembrar também que os negros brasileiros já foram escravizados, por muito tempo submetidos ao trabalho forçado, servindo de propriedade alheia; que já foram maltratados, surrados e até mortos nas senzalas desumanas. Porém, com alegria, lembremo-nos ainda que esses mesmos que na história foram magoados também souberam lutar contra a dor e a opressão; muitos deram seu sangue em prol do reconhecimento de seu valor e de sua dignidade humana.
Lembremo-nos, por fim, que essa história de luta dos afrodescendentes por direitos e igualdade ainda não teve fim. Afinal, ainda vemos diariamente práticas preconceituosas e racistas contra essa população guerreira. Práticas irracionais e desumanas que ferem essas pessoas historicamente marginalizadas. Assim, é necessário lutar cada vez mais para entender que o preconceito e o racismo são posturas vergonhosas, que nada pode justificar. Mas essa luta que antes parecia só dos negros hoje é de todos nós, porque os negros são parte do que somos, de tal forma que se alguma coisa ou alguém os ferir estará também este algo ou alguém ferindo a alma de todos nós. É uma luta árdua, que faremos dia a dia, mas que não pode ficar só em palavras, e sim em atos.

Não existem raças distintas, a raça é uma só: a raça humana. Não é a cor da pele que definirá a grandeza das pessoas, e sim a condição de sermos pessoas e o nosso histórico de lutas. Tudo isso, nós negros temos de sobra. Que ninguém se culpe por sua cor, pois a grandeza humana está além, muito além da pele.

Mensagem proferida no Dia da Consciência Negra, no Primeiro Evento de Cultura Afro-brasileira na escola José Valdemar de Alcântara e Silva.

1 de novembro de 2015

Ela não nos criou

De vez em quando, na escola ou noutros espaços sociais, defronto-me com gente de pensamento grande, de mente aberta e de atitude crítica perante situações preocupantes, senão caóticas. Numa dessas, enquanto eu dava aulas numa turma, perguntei a uma aluna o que a preocupava. Sua resposta me permitiu pensar, repensar e pensar ainda um pouco. Ela me disse que já não suportava mais a intensidade com que as pessoas utilizam os aparelhos celulares, alheando-se dos acontecimentos em tempo real e das outras pessoas.
Aquilo me impressionou muito. Me impressionou a ponto de eu questionar se realmente a tecnologia representa mesmo um avanço ou um retrocesso na vida dos homens. Daí veio a percepção de que se a tectonologia induz os indivíduos a esquecerem de si mesmos, a fugir de suas circunstâncias, a desviarem-se das coisas reais e dos outros, ela não pode ser positiva. Não pode porque desumaniza, porque mumifica, por um tempo, a possibilidade de se fazer humano.
Quanto mais os dedos vão deslizando, de clique em clique, mais os sujeitos vão sendo apoderados pela dimensão virtual, oportunizando à tecnologia o domínio sobre o homem. Dominação facilmente percebida no uso descontrolado e faminto de aparelhos e redes.
Não se pode falar em evolução quando a elegante tecnologia substitui as relações autenticamente humanas. Evoluídos parecem os povos que nunca a tiveram. Por isso que, às vezes, quanto mais as pessoas sonham com luz mais permanecem na escuridão.
Quando eu fui criança e adolescente morei no campo, e o que alegrava as noites era a caminhada pelas estradas semi-escuras, rumo a casa dos vizinhos para conversar e tomar café ao redor de fogueiras. Em casa, nada nos tomava o fôlego para conversar, nada nos desviava dos outros. Só que com a chegada da luz elétrica, da televisão, as relações se modificaram. A harmonia virou caos. Já não se faz visitas a ninguém, e tem horas que a conversa vira mudez de múmia.
Não é mal que essa lógica tenha que se inverter. A tecnologia não se criou para nos dominar, mas sim para ser dominada por nós. E a dominamos se não a deixamos nos roubar a humanidade, se não lhe permitimos dirimir o aconchego do outro, se a controlarmos a ponto de usar seu potencial criativo para realizar nossas possibilidades humanas. 

1 de novembro de 2015