1 de novembro de 2014

A idade de ouro da vida

Quando vejo essas crianças e esses jovens, eu sinto alegria imensa; quando os vejo, em seu estado de iluminismo, eu sinto uma inveja tremenda, inveja porque podem estar vivendo essa fase de suas vidas, povoada de uma alegria quase natural, onde tudo demonstra sentido de se viver.Eu fui menino e adolescente e nunca vou me esquecer dessa dádiva, porque a vida não me permitirá. “Quando crianças, não há preocupação que nos assalte”, costumamos dizer a todo momento. Essa meia verdade é uma ideia comum. Mas não é a falta de preocupação que me faz, no pensamento, querer reviver os tempos que tive. Na verdade, eu era uma criança preocupada, como ainda hoje, porque a minha infância não foi coroada. Só que, à parte as dificuldades, fora um tempo muito bom.Primeiro porque todo mundo estava em casa. Depois, porque se via a natureza da porta de casa. Em seguida, porque a simplicidade nos fazia imenso bem. Por último, viver parecia ser uma experiência profunda.Ao afirmar “todo mundo estava em casa” quero expressar que a gente não tinha que sofrer pela partilha da família, pela sua fragmentação, que sempre nos causa dor. Além disso, parece que a gente se queria muito mais, num amor quase que sagrado. Havia tremenda graça em se tomar um simples café arrodeados da fogueira em noite de escuridão. A comida, de tardinha, ganhava mais gosto quando a mesa punha-se repleta de gente, umas pessoas vivendo em prol das outras.Quando criança habitei a zona rural, e por isso fui privilegiado, pois o contato com a natureza me fez imenso bem. Os meses de chuva pareciam inexplicáveis e neles vivíamos melhor. O verde transformava a paisagem, assim, ríamos com o tempo. A minha avó e o meu pai tinham uma choupana de taipa, onde nos abrigávamos. Trabalhávamos, colhíamos as melancias doces, os jerimuns, armávamos as arapucas... Todo mundo punha-se a ralhar na roça (eu nunca tive grande coragem física, mas estava lá, alegremente), e nos confortávamos na união.Rousseau, um suíço do século do iluminismo, já dissera que em estado de natureza é a simplicidade que domina, é a bondade original, livre de todos os males, que permeia a vida do homem. É bonito esse romantismo pronunciado pelo mestre Rousseau. Na infância e juventude normalmente ninguém pensa em ser mais, em ter mais. Pensamos, sim, em crescer, pela curiosidade que a vida adulta nos proporciona, em sair de casa, conhecer outros lugares e novas gentes, assanhados por essa curiosidade.Não penso que após deixarmos de ser crianças e jovens a vida perda a sua profundidade. Não, pelo contrário. O que penso é que há, naquele momento da vida, mais gosto, mais sentido em se viver. A vida adulta é resultado da própria natureza humana, afinal de contas ninguém pode decidir se vai crescer ou não. Entretanto, ao crescer perdemos alguma coisa: a família, os amigos, a simplicidade terapêutica... Não há como voltar atrás, mas há, e isso é muito, como guardar na memória esses grandes instantes de alegria e de bem viver. Hei de lembrar, dia após dia, dos passeios que fazia com a minha avó na estrada desabitada, para “roubar” manga; lembrarei dos banhos de chuva, das rezas da minha mãe... Melhor do que voltar atrás é possibilitar que meu filho, hoje uma criança, também viva momentos assim de felicidade e lembre-se deles com alegria. Antigamente, a cigarra cantava e eu fazia versos inspirado por esse canto. Eu quero que, sempre, a minha infância, como as cigarras e os grilos da noite, cante para mim, para que eu possa escrever os versos que farão a minha vida  expressiva, sempre desejada. Será o meu passado se reafirmando no meu futuro. 25 de outubro de 2014