31 de janeiro de 2019

POEMA DE DOMINGO ------ Canção para não esquecer


Ninguém pode
esquecer de nada:
nem do bom dia para dar
- em primeiro lugar,
nem da flor no quintal,
carente de sol e água.

Ninguém deve
esquecer de nada:
de rir, porque deixa
a vida iluminada,
nem de andar
um pouco mais
além da sua calçada.

Ninguém pode deixar
nem de rir quando for justo,
nem de chorar
quando for tempo.
E se um tambor tocar,
cair para dentro...
e, num tempo seu,
corrigir-se em
pensamento.

Ninguém deve deixar
de trabalhar
para ter as coisas suas,
das que convém
às que engrandecem,
nem de desejar
para todo mundo
um pouco mais do que
o pão de cada dia.

Ninguém deve
esquecer de nada:
ao menos numa
ocasião da vida
não poder possuir
a coisa mais desejada,
para poder sentir
a dor dos que
não podem,
nem de ter ainda
algumas frustrações,
para sentir na alma
a tristeza dos que
não vencem.

Ninguém pode
esquecer de nada:
nem do nascimento do sol,
sempre após a fria e
escura madrugada,
nem da tristeza e da alegria
na pele humana gravadas.

Ninguém pode
esquecer de nada:
nem de amar parentes
e amigos,
nem de respeitar
os inimigos,
para que o desamor
não chegue nem
faça morada.

Ninguém pode
esquecer de nada... de nada:
que as coisas boas
nas quais se acredita
precisam ser todas
as manhãs relembradas.

25 de janeiro de 2019

POEMA DE DOMINGO ------ Lua antiga

Eu queria ser o menino
que a lua antes olhava
e para ela fazia versos
como para a namorada.

Para a lua eu contava
as coisas mais secretas,
das que germinam
o coração dos poetas.

Tinha algo inebriante,
não sei o que de mágico
que foi se embora
num relance, tão fácil.

Fico a me perguntar
em que céu a perdi,
a lua de antigamente
que queria toda para mim.

Tenho pena dos homens
que crescem de mais,
e que têm a lua no céu
Mas não a veem mais.

Tenho pena dos homens
que se banham em frieza,
incapazes de ver no céu
um pedaço de lua e ter firmeza.

Tenho pena de mim,
pássaro perdido a voar,
pena do que já perdi
por não poder me equilibrar.

Porque meu maior sonho
para o mundo é uma besteira:
sonho de, para maior alegria,
ser poeta a vida inteira.

10 de janeiro de 2019

POEMA DE DOMINGO ------ Por um momento


POR UM MOMENTO

Deixes para lá
as coisas menores,
as coisas menores
                  da vida,
que só nos põem a
caminhar por ali,
inertes, à deriva.

Deixes que falar
sobre os males,
dos males tristes
                  e vãs,
que não são belos
nem agradáveis
feito as manhãs.

Não te atormentes
por um momento
com discussões,
quando há melhores:
a poesia do mundo
e as canções.

Deixes para lá,
deixes de te torturares
qual as madalenas,
pois há no céu,
para enfeitiçar,
estrelas serenas.

Por um momento
não te importes
com outro mais,
apenas com o que
possa te embriagar
de alegria e paz.

Deixes para lá
as pequenas coisas,
as coisas pequenas
do mundo,
porque a vida passa,
                     amigo,
passa pelos fundos...

30 de dezembro de 2018

POEMA DE DOMINGO -- ----Soneto de amizade


SONETO DE AMIZADE
Para Rosângela, Anita, Sabrina e Verônica


Amigos, Deus me deu em número limitado
mas os melhores que uma criatura pode ter.
Aqueles que me vão, pela vida, acompanhados
e proporcionam à minh‘alma uma riqueza de viver!

Sou caminhante e pelo mundo prossigo sossegado
porque tenho amigos do meu agrado e do meu querer,
estes com os quais me sinto feliz quando estão ao meu lado
e que fazem o meu coração se avivar e se enternecer.

Amigos, vocês são o tesouro que encontrei sem procurar,
que eu cuido e escondo, sem escolher ocasião,
para que nenhum ladrão mal me possa roubar.

Guardaria-os onde fosse preciso, até no fundo do porão,
porém já estão guardados, e só eu os posso encontrar:
no interior do meu vasto mas singelo coração.

30/12/2018









24 de dezembro de 2018

CRÔNICAS DA CIDADE ----- Quem é que paga?



Quem é que paga?


E
nquanto eu lavava a área de serviço da casa em que moro e mudava as plantas de lugar, ia escutando a conversa que se passava do outro lado da rua. Porque na zona urbana é assim, só a muito custo se escondem até mesmo os segredos mais profundos. E assim ia eu, escutando sem querer, mas com aquele ar de curiosidade.
E a conversa que eu escutava envolvia criança, e por que tinha a ver com criança me chamava ainda mais atenção. Foi quando ouvi um dos vizinhos gritar, sem querer poupar decibéis:
--- O pai dele vai pagar! O pai dele vai pagar!
Aí entendi tudo: um menino tinha feito uma malinação em alguma coisa do homem. Tamanha fúria tinha uma justificativa.
Ante esse ocorrido, me coloquei a pensar, e também me veio esse questionamento: Quando um menino mexe, por ofício da curiosidade ou de danação, em um objeto nosso, a conta dirige-se a seu responsável, que sempre, ou quase sempre, supre o nosso prejuízo; mas quando somos nós que fazemos mal a uma criança, quem reembolsa por ela? Quem paga a conta dela?
Quem é que supre a falta de amor a que tantas crianças, nos lares e fora deles, estão submetidas? Quem é que paga, da mesma forma, a violência física e moral que condena, para sempre, o presente e o futuro dos pequeninos? Quem liquida a falta de conselho, de sensibilidade, atributos de que tantos pais e cuidadores são carentes? Quem é que vai depositar na conta das crianças o dinheiro que paga o alimento que elas não têm, a roupa que não possuem, a casa ainda não alicerçada? Quem é?... Quem arcará com os juros, a tanto por cento, da má condução, do mal exemplo?
Todos os dias observo a vida de muitos pequenos, e quando me pergunto sobre seu futuro, sobre as possibilidades de eles serem homens grandes, é a angústia que me vem ao encontro e esperança que me vem em socorro, porque sei da dureza que podem enfrentar nos seus caminhos estreitos e inseguros. Tenho ciência disso porque também fui criança, e sei que só a muito custo superei certas questões.
Aqueles que ensinam as crianças o egoísmo, a brutalidade, a imoralidade e toda sorte de infortúnios jamais vão ter, lá na frente, condições suficientes de desfazer todo mal que lhes fazem. Porque os bens que as crianças não recebem vão lhes fazer falta a vida toda. A educação, o amor e a dignidade.
Num de seus poemas, a escritora Ruth Rocha atesta: “Toda criança no mundo/Deve ser bem protegida/Contra os rigores do tempo/Contra os rigores da vida”. E pensar que estamos longe disso, muito longe... nos enche de dor.
Sempre que um menino ou uma menina faz algo que os adultos detestam, há sempre uma forma de cobrar o mal feito: com uma surra, com castigos, com palavrões e safanões... Mas aos meninos ninguém sequer pensa em pagar pelo mal diário que lhes cometem. E não vão pagar nunca essa conta tão grande. Como dizia a minha avó, ela vai para o cofre das almas.

24/12/2018



23 de dezembro de 2018

POEMA DE DOMINGO ------ Para agora


PARA AGORA


Está aqui o que eu preciso
para o momento.
Nem menos, nem mais.

A palavra sempre vem
em sua justa medida.

À procura de uma sede,
a palavra põe-se ali,
a balançar-se na rede.

Ou que a sede a procure
já cheia de desespero.

Mas tenho aqui o necessário
a este momento:

porque a palavra não pode,
por justa que é,
ser esgotamento.

25 de outubro de 2018

A COISA MAIS TRISTE DO MUNDO


A coisa mais triste do mundo

A
 coisa mais triste do mundo é uma criança não saber o mínimo possível... A, B, C... Dá uma tristeza na alma, porque ela não escolhe não saber. E não sabe por quê? Lembre-se daquele menino, tão pouco consegue dizer. Quem quiser chorar, chore, pois é a coisa mais triste do mundo.
A coisa mais triste do mundo, quem consegue dizer? É os meninos e as meninas não saberem essa ofício pseudo-sagrado de lerem e escrever, porque os seus sonhos bonitos não expressam, pois não sabem dizer. Tem as matas, os rios, os cães, a vida... tudo por descrever. Tem os passarinhos no ar, as castanhas no pé de caju, coisas que dá pra contar. Tem o texto bonito, a ciência e a arte, os quais poderiam ler. Tudo que o seus olhos grandes até querem, mas mal conseguem ver. Não veem por quê? É triste não saber. Quem quiser chorar, é hora, pois é a coisa mais triste do mundo.
A coisa mais triste do mundo chama-se ignorância, e não importa se é no senhor com bigode, na senhora de bastãozinho, ou na criança. Aquela menina bonita, da escola, só tem mesmo a esperança de um dia aprender, como as outras crianças. Aquela menina não boa entendedora de pobreza nem de finanças, para quem, muitas vezes, a voz zangada de um professor ralha, ralha até quando cansa. Porque a gente, muitas vezes, a gente demora  a compreender que o não-saber engole até mesmo as esperanças, e engole quase tudo. Mas engole por quê? Quem quiser chorar, chore, pois é a coisa mais triste do mundo.
A coisa mais triste do mundo é a criança não ter o que comer. Porém, ela deseja, mas nem sempre querer é poder. E não pode por quê? E a pobrezinha o quanto sofre sem estar também alimentada de saber! Saber que a escola deve dar, pois não está no seu querer privar criança nenhuma de cultura e de saber. Porque saber ler, escrever, contar, interpretar, calcular... são como o arroz, o feijão, que todo homem e toda mulher comem e que são duma precisão... Pense naqueles pequeninos ainda não sagazmente alimentados... a Maria ou o Raimundo... e, caso queira, chore, pois é a coisa mais triste do mundo.
A coisa mais triste do mundo é ter sempre a criança algo por dizer, mas o seu mestre ou mestra não quererem disso saber. E não escutam por que aquela vida é assim, tendo a criança querendo contar, tintim por tintim... por que é tão medonha, por que é tão calada, por que sobe no muro, desenfreada, por que é tão rebelde... Tem tanto a dizer, e aguarda, e aguarda...
A coisa mais triste do mundo é quando o amor falta; amor pelos outros, outros como nós, independentemente de quem sejam, precisa estar sempre em alta; apor pelo que fazemos, alegres feito meninos peraltas. É essa falta de amor que tanta criança mata. Mata sem matar, mas fazendo-a perder a fala; mata não matando, mas a criança desaba, e põe-se a nadar em rios de quase nenhuma água; mata não matando, contudo cortando as suas asas. Quem não tem amor pelos pequenos, que chore, pois a falta de amor é a coisa mais grave e triste do mundo.
Mas o mal pode se ir ladeira abaixo. Há problemas numerosos, como os de educação, passíveis de reversão. Há de ser! O não-saber pode dar lugar ao saber. E, de repente, a criancinha que não via começa a ver, a que não sabia começa a saber, a que nada dizia inicia-se no exercício de dizer, e começa ainda a dar gargalhadas até não mais poder, porque agora já saber ler, contar, escrever, e tudo quanto é possível poder. E, nesse momento, todas as crianças podem rir, um riso tão profundo, e que riam mesmo, porque o saber é a coisa mais bonita e mais alegre do mundo.
25/10/2018.