Quem
é que paga?
E
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nquanto eu lavava a área de
serviço da casa em que moro e mudava as plantas de lugar, ia escutando a
conversa que se passava do outro lado da rua. Porque na zona urbana é assim, só
a muito custo se escondem até mesmo os segredos mais profundos. E assim ia eu,
escutando sem querer, mas com aquele ar de curiosidade.
E a
conversa que eu escutava envolvia criança, e por que tinha a ver com criança me
chamava ainda mais atenção. Foi quando ouvi um dos vizinhos gritar, sem querer
poupar decibéis:
--- O pai
dele vai pagar! O pai dele vai pagar!
Aí entendi
tudo: um menino tinha feito uma malinação em alguma coisa do homem. Tamanha
fúria tinha uma justificativa.
Ante esse
ocorrido, me coloquei a pensar, e também me veio esse questionamento: Quando um
menino mexe, por ofício da curiosidade ou de danação, em um objeto nosso, a
conta dirige-se a seu responsável, que sempre, ou quase sempre, supre o nosso
prejuízo; mas quando somos nós que fazemos mal a uma criança, quem reembolsa
por ela? Quem paga a conta dela?
Quem é
que supre a falta de amor a que tantas crianças, nos lares e fora deles, estão
submetidas? Quem é que paga, da mesma forma, a violência física e moral que
condena, para sempre, o presente e o futuro dos pequeninos? Quem liquida a
falta de conselho, de sensibilidade, atributos de que tantos pais e cuidadores
são carentes? Quem é que vai depositar na conta das crianças o dinheiro que
paga o alimento que elas não têm, a roupa que não possuem, a casa ainda não
alicerçada? Quem é?... Quem arcará com os juros, a tanto por cento, da má
condução, do mal exemplo?
Todos os
dias observo a vida de muitos pequenos, e quando me pergunto sobre seu futuro,
sobre as possibilidades de eles serem homens grandes, é a angústia que me vem
ao encontro e esperança que me vem em socorro, porque sei da dureza que podem
enfrentar nos seus caminhos estreitos e inseguros. Tenho ciência disso porque
também fui criança, e sei que só a muito custo superei certas questões.
Aqueles que
ensinam as crianças o egoísmo, a brutalidade, a imoralidade e toda sorte de
infortúnios jamais vão ter, lá na frente, condições suficientes de desfazer
todo mal que lhes fazem. Porque os bens
que as crianças não recebem vão lhes fazer falta a vida toda. A educação, o
amor e a dignidade.
Num de
seus poemas, a escritora Ruth Rocha atesta: “Toda criança no mundo/Deve ser bem
protegida/Contra os rigores do tempo/Contra os rigores da vida”. E pensar que
estamos longe disso, muito longe... nos enche de dor.
Sempre que
um menino ou uma menina faz algo que os adultos detestam, há sempre uma forma
de cobrar o mal feito: com uma surra, com castigos, com palavrões e safanões...
Mas aos meninos ninguém sequer pensa em pagar pelo mal diário que lhes cometem.
E não vão pagar nunca essa conta tão grande. Como dizia a minha avó, ela vai
para o cofre das almas.
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