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esde
nossa formação como gente, foi a mandioca que deu sustança à nossa barriga.
Ela, inclusive, deu a tantas mulheres da cidade, a oportunidade de terem um
trabalho, difícil e, muitas vezes, penoso, mas, enfim, um trabalho.
Daí
lembrar a atividade das mulheres desta cidade por sob o teto dos aviamentos.
Afinal de contas, a cidade é repleta deles, e foram eles os primeiros a abrigar
as mulheres trabalhadoras, que fizeram de seu humilde ofício uma forma de
sobrevivência e, além disso, a duras penas ergueram seus lares.
Nos
aviamentos as mulheres, sempre humildes, pensativas, determinadas; entre
alegria e dor, ódio e amor, com criatividade e ousadia, construíam o que comer
de cada dia. Desde a madrugara até a incerta hora estavam lá, gorejando, quem sabe, um fiapo de
liberdade.
Os
aviamentos se constituem, a meu ver, um laboratório de experiências humanas.
Quanto acontecimento bom, mas também danoso, não se passou por sobre e envolta
deles? Agarradas às batas da mandioca, as mulheres viveram, e ainda vivem, um
amálgama de situações profundamente humanas.
Quantas
intrigas não se fizeram, ali, a ver quem ficava com o monte maior de mandioca?
E as fofocas, estas eram assíduas no dia a dia das raspadeiras. Mas, do mesmo
modo, nasceram, no mirrado, entretanto rico espaço, amizades duradouras e ralações temperadas com a reciprocidade. Na
convivência com homens, mulheres se casaram, constituíram família; e meninas,
obrigadas pela ríspida vida ao trabalho precoce, aprenderam a ser grandes
mulheres como suas mães que, tivesses a chance, dariam a elas uma vida
melhor.
Vivendo
mais nos aviamentos do que mesmo em casa, muitas senhoras ficaram famosas no
seu ofício, por rasparem, no correr do dia, inumeráveis caçuás de alva
mandioca. Isso porque eram donas desse ofício, aprendendo a exercê-lo com
perfeição, salvo quando despregavam um pedaço do dedo.
Ali,
nos aviamentos, mulheres puxaram faca para homens, a dizer para quanto
prestavam; com voz determinada, ralhavam ante o preço tão desumano do caçuá de
mandioca raspada; outras, exaustas não sei de quê, trocaram de marido, fugiram
de suas casas, atirando fogo a tudo.
Graças
aos aviamentos as mulheres, e até mesmo homens, com o preço da exploração, foi
possível comprar o arroz, o feijão, a galinha. Para as raspadeiras o básico, e
só ele, estava sempre em casa. Não havia armário, radiola, tvzinha e outras
necessidades domésticas que não estivessem presentes nas casas das incansáveis
guerreiras do lar. E triste do homem que não tivesse, à época, uma dessas guerreiras,
graças a quem a vida a dois ou a muitos era sempre facilitada. Porque a mulher
foi e sempre será a senhora do lar e da família; mesmo que queira ser, e seja, coisas
bem maiores, não consegue deixar de assumir tais elementos como prioridade sua.
E o que muitos precisam aprender é que isso nem as limita e nem as torna
pequenas.
Voltando
aos aviamentos... Os senhores que hoje são grandes, gozando de prestígio e de
respeito, quer econômico, quer político, por acaso esquecem que foi com a ajuda
das raspadeiras de mandioca que ganharam força para subir as escadas do bem
estar? E nós, meninos e meninas de pés grandes, também nos esquecemos que
nossas mães, enquanto pegávamos no lápis, labutavam para arraigar para nós o
chinelo, a roupa e a comida? Ninguém pode esquecer... Ninguém pode esquecer...
É
pena que o trabalho das raspadeiras de mandioca, assim como de outros ramos,
foi sempre tido como menor, uma vez que nunca se pensou em dar a elas nenhum
direito. E é uma pena grande, porque é com o suor de menores que se caminha,
muitas vezes, a passos largos.
6 de Maio de 2018
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