2 de maio de 2018

CRÔNICAS DA CIDADE - Estão verdes




N
uma tardinha, se não fosse boca de noite já, apareceram uns homens na rua, vindos não sei de onde, e se alojaram numa construção, para passarem a noite. Carregavam mala e cuia, ao que pareceu estarem em viagem. Parece que o dono da construção permitiu a estadia deles ali. Os homens, tendo visto duas bonitas melancias, no terreno de um dos moradores da rua, rapidamente se encantaram, e, com água na boca, encaminharam-se ao dono das melancias, a pedir as frutas.
Pediram, aos demais moradores, outras coisas mais: um quilinho de arroz a uma senhora, um pouco de sal a outra, um isqueiro para acender o fogo provisório, uma lamparina velha, no baú de alguma anfitriã. Quase ninguém negou-lhes nenhum pedido, ou porque, nessas bandas não é da cultura do povo negar pouca coisa a quem quer que seja, ou porque gente estranha costuma causar certo medo.
Entretanto, receberam negativa do dono das melancias. Quando foram pedi-las, sobrepujou-se à mente deles uma decepção ante a resposta que obtiveram:
- Estão verdes – disse o dono.
Na manhã seguinte, quando acordou e foi ver a cor do dia, percebeu o senhorzinho que as melancias rechonchudas haviam desaparecido. Perto dali, os homens alojados na construção também havia sumido.
Ao saber disso, comentei lá em casa. E tudo o que fizemos foi rir. Porque, de fato, fora engraçado (que o proprietário das melancias não saiba). E, ao comentar, uma pessoa disse que os homens fizeram a parte deles, ao pedirem. E quase ninguém, para não dizer ninguém, acusou ou indivíduos de terem praticado roubo.
Lembrei-me, ao saber do ocorrido, da fábula “A raposa e as uvas”, do Esopo, em que uma raposa, ao avistar um belo cacho de uvas numa videira alta, justifica sua preguiça ou sua incapacidade de pegar as frutas, ao dizer para si mesma: “estão verdes”. Quando contei essa estória, ouvi grandes gargalhadas. E nem sei se pode existir conexão entre a fábula da vida real e a de Esopo.
Nesta última vemos como, em determinados momentos, procuramos amenizar o peso da nossa incapacidade de realizar algo. Naquela, há uma questão moral presente. De um lado, da parte de quem justifica sua má vontade em oferecer a melancia. De outro lado, daquele quem justifica um furto: roubou porque o homem não deu.
Mas e se as melancias estivessem verdes mesmo? Não sei. Pensem, pois, os moralistas! O que sei mesmo é que quem tiver, no seu quintalzinho, uma melancia, ou um jerimum, não dê mole, esconda bem escondido. Porque na calada da noite pode aparecer um esperto para conferir se está verde mesmo.

29 de Abril de 2018

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