Cheguei à rua em que moro no dia seis de abril de
2013. Eu me lembro muito bem. Havia dois moradores na esquina distante e dois
defronte onde construí meu casebre. Era uma rua quase sem ninguém. Para todos
os lados via-se a mataria. A princípio achei até bom, pois quase a vida toda eu
morara na zona rural. Aquele lugar, ruazinha nova, prometia-me tranquilidade e
conforto.
Após o casamento morei sete meses de aluguel e,
assim que os tijolos da construção da casa própria começaram a ser empilhados,
fiquei um tempo morando com minha sogra. Aí, um dia, tendo chegado da
faculdade, arrumei um caminhão e carreguei a bagaceira toda para a nova casa. O
sonho de não ser mais inquilino realizou-se.
Como na rua nova não tinha nada, nem energia
elétrica próxima, nem água, nem calçamento, não foi muito fácil residir ali.
Mas todas as más condições do módico espaço superavam, em léguas, o fato de não
ter um lar próprio.
A rua ainda hoje oferece pouca coisa, salvo uma
vista para o morro, belíssima e, por vezes, consoladora. Em tempos do verde,
enche os olhos da gente.
Nós, os poucos moradores existentes, fizemos um
“regime” de partilha. A energia vinha de uma casa só, e rachávamos o preço
igualmente. Mas uma vez, tendo eu esquecido de apagar a luz incandescente do
lado de fora, o homem que passava a energia disse-me:
--- Dá pra apagar a luz?
A ofensa não foi tanta como a vergonha. Depois, foi
melhorando, colocaram um poste no pé da minha calçada. Agora, a energia da
minha casa passa para outras duas. Até que outras melhorias aconteçam, vai ser
assim.
Também um menino, o Marcos, vinha todos os dias para
eu o ensinar a fazer as atividades da escola, uma vez seus pais não sabendo
ler. Só que um dia os pais do menino botaram os móveis em cima de um caminhão,
em uma hora repentina e sem avisar foram-se estrada a fora. A rua ficou uma
pobreza.
A rua, hoje mais movimentada, vem sempre crescendo.
Primeiros sinais de que não vai ficar muito boa. Aos poucos eu vou dando adeus
à antiga tranquilidade. O barulho, em noites de festa (porque fizeram um
clube), rouba-me o sono e o farfalhar das ideias. Por sorte, os meninos aqui e
ali ainda brincam; por sorte há, uma vez ou outra, uma pequena picuinha. O
latir dos cães, nas noites medrosas, é melhor que essas músicas sem sentido que
os paredões infelizes tocam. E nas manhãs, o cantar dos galos, quando os ouço,
soam-me como uma prosopopeia poética.
Eu vi ruas crescerem e tirarem muitos sonhos das
crianças; o sonho de brincar; o sonho da gente grande, de poder sentar-se à
calçada, sem medo ou pavor dos ladrões. E eu vou dizendo, em minhas vozes
silenciosas: “cresce não, rua”! Sê sempre assim mesmo. Rua menina. Rua dos
meninos. Eu sei que é pedido vão, ilusório e improvável. Além do pouco sentido
em não desejar uma rua crescer. Eu só não quero uma rua seca de alegria, batida
à chave. E alegria não tem muito a ver com barulho; tem mais a ver com
liberdade de escutar o próprio barulho natural da vida.
27 de Julho de 2017.
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