A Verônica
Regina... Não preciso dizer por quê.
Aconteceu pela boca da
noite. Não queiram saber o dia, porque não me lembro. Estava eu ali, sentado à
calçada da igreja matriz, esperando o bonde. Ia à cidade próxima, trabalhar. E
junto a mim tinha um mói de gente, os estudantes que, no mesmo bonde, iriam
para as faculdades. E perto de nós, mas como se não fosse do mesmo mundo, havia
o bêbado. O bêbado, não; havia o homem que tinha bebido.
Eu, como sou curioso e
atento aos desamparados do mundo (não sei se é a expressão certa), àquilo que
guarda porções maiores de poesia, estiquei os ouvidos e, de quando em vez, os
olhos, em atenção à fala e aos movimentos do homem – do homem que bebera.
Porque como está desamparado do mundo, mas não é, recorre sempre a quem o
ampara: a bebida que, ardente, o empurra ladeira abaixo.
E por que bebera dizia
umas verdades. E foi o ouvindo que eu o vi pela primeira vez, como um ser
humano, de carne, osso, consciência e coração.
E o que ele dizia, na
sua voz tonitruante? Falava de si. Falava sobre uma natureza, uma tal natureza
que ninguém dominava. Era a sua natureza. Era o que era. Queria dizer que se
pudesse, se dominava; queria dizer que se lhe aprouvesse, seria outro homem,
bastava ter o poder para tal. Não disse exatamente assim, mas era isso.
Na voz suja pela
angústia, falava do Brasil, como a querer falar de cada pessoa: que no Brasil
não tem respeito. Era como se bradasse: as pessoas não me respeitam, porque sou
como sou, um bêbado, um louco. Mas ele se enganava, pois deveria dizer: não
querem me respeitar, porque estou como estou: bêbado, louco. Porque nessa vida,
eu digo, como a encarnação de um filósofo existencialista: ninguém é nada; a
gente está sendo, por um momento, alguma coisa. Para o bem ou para o mal – eu
digo, mais uma vez.
E aquele desabafo me
enterneceu tanto, que no caminho, escondido na escuridão do bonde, eu só pensei
no bêbado homem. Pensei ainda nos risos e na zombaria que os homens bêbados que
também jaziam ali atiravam sobre ele.
Pensei, e continuo
pensando, que os bêbados merecem uma chance, pelo menos a chance de serem
respeitados. As pessoas, para serem normais, precisam saber que aqueles que
parecem um trapo são, na verdade, homens, homens subsumidos pela sorte ou pelo
mundo. Eu pensei, e ainda penso, que todos nós necessitamos deixar de beber
doses muito grandes desses males que nos embriagam: o orgulho, o desrespeito, a
intolerância...
Eu fiquei pensando que
poderia ser eu, e não ele, a estar naquela condição; e poderia ser também um
parente meu, ou qualquer indivíduo, do menor ao mais alto escalão da sociedade.
E martelou na minha cabeça essa ousada ideia: que às vezes a consciência vem
melhor para os bêbados e os loucos do que para os que dizem ter o juízo certo.
Porque quem zomba dos outros nunca esteve bem de saúde.
13 de Agosto de 2017
Mais uma vez fizestes com que eu me derramasse em lágrimas. Só que dessa vez ultrapassou! Minha alma ficou extasiada em excesso, emocionada, arrebatada... Não sei explicar ao certo, mas tu me tocou demais com essa crônica. Eu amo todos os seus textos, e amarei cada vez mais. Tudo que escreves faz-me refletir sobre o eu e meus semelhantes,e essa então, ainda mais! És demais! Obrigada! EU SOU SUA FÃ!
ResponderExcluirParabéns, cronista. No words!!! Assim como Verônika, sou leitor assíduo das tuas crônicas e admirador das tuas obras literárias. Quando possível dá uma "espiadinha" no blog: joserobertopoeta.blogspot.com e veja também alguns poemas e crônicas.
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