Quando
menino, não sei se dez anos eu tinha, havia em mim um sonho que respirava a
insensatez: queria conseguir matar passarinhos. Isso porque os camaradas eram
donos dessa artimanha. Eles pareciam ter nascido afeitos àquela triste ação;
mal miravam a baladeira e, logo diante de si, mornos e mortos os passarinhos
deitavam ao chão.
Mas eu,
não. Ia com eles, pelas quebradas, com o embornalzinho repleto de pedras. E
vendo, não muito longe, um pacu, ou um azulão, ou uma rolinha de penas
brancas... mirava a baladeira uma, duas, três ... dez vezes, mas os bichinhos
voavam rumo ao alto celeste, fugindo, como a rir da minha falta de jeito.
Na
serrinha da avó Chica também eu fazia miragens com o cruel estilingue. Todavia,
não ia além dos sustos aos bonitos passarinhos, ainda sem os conseguir matar. E
mais e mais eu me frustrava porque, me comparando aos outros moleques, achava
aquilo uma tremenda incapacidade. De tempos em tempos sofria aquele martírio.
Agora,
ao recorrer a essa lembrança antiga, percebo o quanto essa incapacidade
contribuiu para erradicar um martírio ainda maior: a indelicadeza de, na
infância, extinguir parte dessa espécie inconsciente e, em alto grau, inocente.
Matar
passarinho ainda é costume, é moda feia de nossa cultura. Meninos, aqui e ali,
não podem ver um bichinho de penas sacudindo as asas num galho de pau, que
querer logo atirar pedras, qual se tivesses sido esculpidos para não viver
muito.
Os
meninos fazem uma chuva de pedras com a intenção de matar os passarinhos, tão
ingênuos quanto os próprios pássaros. Mas também tão capazes de aprender o
controverso dessa maldita arte. Não têm, assim, um grão de maldade. Enquanto
nós, na idade adulta, não matamos nada, e nossa consciência é do jeito que é.
Pequenos, os meninos mal orientados por gente grande, esticam a baladeira, tão
inconscientes quanto seu alvo.
Hoje,
pai que sou, digo ao pequerrucho lá de casa, mais apaixonado por passarinhos do
que eu, da antilógica de se pôr a cabo, as suas vidas. Porque foram feitos para
saírem em voo e em canto, sem liberdade, mas com direito à vida. Direito
consolidado por mãos humanas, mas dado originalmente, por Deus. E se ele
insistir com a ideia, rezo para que tenha a mesma falta de jeito com
baladeiras.
E penso
comigo: se tivesse sido profeta, escreveria: vão para o inferno todas as
criancinhas que matam passarinhos e quaisquer outros animais, e que sequer esticarem
baladeiras com esse propósito. E se fosse homem de leis, sancionaria a
seguinte: está proibido o uso de baladeiras por meninos, salvo para acender o
fogo de manhã e fazer café.
19 de
Março de 2017
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