25 de maio de 2015

Madrigal a Nossa Senhora da Conceição

Umas das experiências mais bonitas de que me lembro em pequeno, na verdade ainda jovem, era quando eu me sentava à mesa para rezar com minha mãe a sua novena de Nossa Senhora da Conceição. Isso acontecia,invariavelmente, aos sábados, na hora do ângelus. 
Por essa razão, criei-me cristão, temente às forças divinas. Cumpri todo o ritual da igreja, batizando-me, fazendo primeira comunhão, crisma, me casando também. Como a cultura familiar me incentivou a ser cristão, é difícil, ou mesmo impossível, negar seus valores, muito positivos em minha trajetória como pessoa.
E hoje, pensando em tudo isso, escrevi um poema à santa de quem minha mãe é devota:


MADRIGAL A NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO

Nossa Senhora
Da Conceição,
Que belo poder
De alegrar,
Da minha mãe,
O coração.

Ainda pequeno
Aprendi a rezar –
Mãe me ensinou –
Tua oração.
Sentava à mesa
E, de joelhos,
A vela acesa,
Pedia compaixão.

Eu pedia pouco
Sem desconfiar
De teu poder.
Nossa Senhora
De mãos gentis,
Nunca sentei
Para rezar
Sem poder crer.

“Ouve Mãe de Deus
Minha oração,
Toque em vosso peito
Os clamores meus”.
Nossa Senhora
Da Conceição,
Confortadora,
Nas noites difíceis,
Dos filhos teus.

Nossa Senhora
Da Conceição,
Minha mãe tem
No quarto
A santinha de oração,
protetora de vigília.
Nunca esqueço
Que minha mãe
Sempre Te pediu
O conforto para
nossa família.

Bendita és
E divina também
Por ouvires
Minha mãe
Sempre que
Fechava o livrinho
E dizia amém.
Nossa Senhora
A quem creio
E a quem quero bem.



Ao rezar, minha mãe o fazia pela nossa família, pelo bem dela, pela felicidade dos filhos, por uma vida sem tribulações. Essa atitude dela repercutiu em mim, tornando-se a base de minha vida. 
Há uma tremenda desconfiança das pessoas em relação à religiosidade, quase sempre justificada pelo papel das igrejas no decorrer da história, voltado o corrompimento da doutrina cristã, quando procuraram ou procuram conciliar fé, poder e dinheiro.
Mas a religiosidade, não como instituição, tem uma serventia, uma função muito bonita, que em muito se parece com a educação, que é tornar as pessoas melhores, mais humanas. Isso a educação faz pela disseminação do saber, que não é suficiente. Porque não basta a uma pessoa ser profundamente inteligente para que também seja humana. É preciso também um valor complementar, e creio que a religiosidade (com igreja ou sem) auxilia nesse sentido, ao fazer com que os homens no mundo busquem um sentido para suas vidas.

25 de maio d 2015.

17 de maio de 2015

Quem são eles, os estudantes?

Quando vou ministrar aulas, às vezes o comportamento dos alunos me apavora, por vezes me desilude, mas também me provoca uma série de indagações. Indagações difíceis de responder, merecedoras de atenção, já que é necessário compreender esses jovens para poder fazer algo por eles. 
Quem são esses jovens que mal nos deixam dar aulas? Por que a sede de conversa e de balbúrdia é maior que a sede de conhecimento? Por que tanta brincadeira, tanta ironia, tanto descaso com a tarefa de aprender? De onde vieram, tão cheios de liberdade e indiferentes ao outro? Que são eles, o que querem, o que os determina é o que sempre eu me pergunto.
Eu devia ter raiva diante da confusão, das conversas, do pouco caso, e, com a voz de comando e autoritarismo, mandar meia dúzia a casa, castigando-os, ordenando que voltem dias depois acompanhados de seus pais. Porém, descobri que não é deles que eu devo ter raiva; devo ter de sua condição, da vida que carregam, do meio em que vivem; raiva, muita raiva ao pão que não comem, aos livros que não leem, ao incentivo que não têm. Porque o que eu vou ganhar tendo ódio de quem está frustrado por não ter um pai, ou por ter sofrido, no caminho da existência, uma grande opressão? Muitos dos nossos estudantes têm essa cara frustrada e oprimida. Junto a essa face dos nossos jovens tem sempre um pouco de medo, de insegurança, de desejo, nada herdado nem posto em sua natureza, mas sim amealhado no caminho de suas vidas.
Uma professora certa vez disse que estudantes só mudam de endereço, porque, no geral, são idênticos, pois em qualquer escola provocam situações de instabilidade.
Essa juventude plural domina as suas casas e propõe também a dominação da escola. Ela têm um poder forte que se manifesta em indisciplina, revolta e insubordinação, em excesso de liberdade e na escassez de responsabilidade. Talvez não se dê conta que é um falso poder, já que é feito da insegurança e de medo. Quem sabe na hora em que o perceberem, passem a aceitar a escola melhor, e até querer uma escola melhor. Quem sabe percebam que o conhecimento lhes ajudará a construir outra vida, a lutar contra aquilo que lhes enfraquece e amedronta.
Essa percepção que os jovens precisam ter sobre a escola e o conhecimento depende muito de nós, professores. Não para mudar sua vida, mas para inspirar neles essa transformação. Difícil, é muito difícil. Fazer com que os estudantes queiram de verdade aprender algo é o maior desafio na escola. E sem o gosto, não aprenderá nada. Forçar alguma coisa servirá para adestrá-los, não para educá-los. Forçar quem, pela vida, já é forçado, a meu ver, é acabar de matar.

17 de maio de 2015


29 de abril de 2015

A praga da opressão

O comportamento mais difícil, dificílimo, de entender e de aceitar é o daqueles que querem privar os outros de liberdade, que acorrentam-nos em suas precariedades, forçando-os a viver molestados, que os querem condenar sem dó nem piedade.
Quando digo “privar de liberdade” digo em sentido profundo. Porque a carência de liberdade pode ocorrer quando me impedem de falar ou de agir de acordo com uma vontade minha, se ignoram uma ideia que eu tenho... Mas isso nem é um problema grave perto de outras privações. Mais privados de liberdade estão aquelas pessoas que vivem cabisbaixas, violentadas em seus lares, sem poder seguir rumo senão o da submissão. Sem liberdade, essas pessoas confinam-se em seus cantos, amedrontadas, doentes, depressivas. Trocam sua felicidade pela proteção dos outros, se sujeitam a tudo quando são ameaçadas, punidas. Nesse momento só uma escuridão povoa as suas vidas.
E são muitas... Meu Deus, parece que é um número infinito de mulheres que vivem agredidas pelos seus MACHOS, nessas cidades pequenas, cujas leis parecem não existir. Nessas cidades onde a tradição desgraçada acostumou as pessoas a se sentirem infelizes, incrustando em sua natureza o temor, a aceitação da barbárie. Tradição decrépita que ensinou também a muitos sujeitos a querer dominar os que vivem consigo, colocando-lhes cabrestos com rédeas curtas.
Em troca de quê tira-se a liberdade de outrem? De um capricho ou de coisa parecida. Não é preciso muito conhecimento para aceitar que ninguém pode ser convertido em objeto de posse de ninguém. O sentimento de posse é uma doença, uma praga. A erradicação desse mal traria alegria a tanta gente. Eu precisei ter uma irmã carente de libertação para dizer isso? Não precisei, embora isso me fortaleça a ideia. Me ajuda a mostrar que não invento teoria, e sim escrevo baseado no que percebo, percebo e detesto.
Sartre tinha razão ao dizer que o homem está condenado à liberdade. A grande pena é que essa liberdade salva a uns, mas desgraça e condena a outros.

28 de abril de 2015

8 de março de 2015

Das tantas mulheres, uma eu não tive

No dia em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, penso no quanto uma presença feminina pode fazer falta na vida de uma pessoa. Eu tenho algumas frustrações e uma delas está relacionada diretamente a isso: é que, como muitas pessoas no mundo, eu não pude conhecer uma das minhas avós, a materna, que adormeceu antes mesmo de eu nascer, gerando a mim uma melancolia que, sem dúvida, não há de ser sanada nunca.
Não se pode comparar a perda de uma avó à perda de uma mãe, que é personagem mais forte em nossas vidas, ou melhor, personagem principal, por vezes determinante na vida de qualquer pessoa. Porém, eu tenho mãe, dessa alegria eu não fui poupado (devo dizer graças a Deus), o que a existência não me concedeu fora a outra avó, então, na minha constituição enquanto pessoa ficou uma lacuna irreparável.
Costumo, em meus momentos de reflexão, pensar que se a houvera conhecido construiria laços afetivos que não consegui construir com minha outra avó nem com meus avôs. Carência de afetividade, todo mundo sente um pouco alguma vez. Mas, tirando esse desejo afetivo, conheceria também uma outra filosofia de vida, outro modo de ser, sem dúvida diferente, uma vez que todo ser humano é ímpar. 
Lacuna maior ficou na vida minha mãe que, mesmo sendo mulher, viveu na pele  o que a falta de outra mulher, sua mãe, provocou na sua e na trajetória de seus irmãos. A começar pela separação da família, pois meu avô se casou novamente, sem assumir os filhos, que foram acolhidos pelos avós maternos. Além de perder a mãe, minha mãe ainda não teve irmãs, e já a vi dizer que sentia muito esse fato.
A mulher é a representação viva da sensibilidade, do amor incondicional. Na maioria das vezes depende dela, ou de quem represente esse papel, o sucesso ou não da vida familiar. Se um homem disse a seu filho pequeno: "Meu filho, não escute sua mãe", perderá seu temo, tão grande é a força da mulher, da mãe. E se um dia a vida de todas as pessoas se escusasse dessa sensibilidade feminina, não haveria caminho a andar, nada mais teria futuro algum.

8 de março de 2015

14 de fevereiro de 2015

A rotina positiva

Parece que há um mal entendido em relação à rotina de nossas vidas, pois até hoje todas as vezes que ouvi alguém mencioná-la foi para desmerecê-la, como se, em algum momento, não pudesse ter outra face, não pudesse ser boa.
Geralmente, as pessoas falam de rotina como sendo algo estafante, comum e repetitivo. Trabalho de rotina, por exemplo, é aquele que se faz todos os dias, mnemonicamente, constantemente cansativo e esdrúxulo. Dizer que um casamento está em crise significa dizer que caiu na rotina.
O sociólogo Zygmunt Bauman já dizia que o que nos faz ver a rotina com maus olhos, não a tolerando, é o fato de, desde que éramos pequenos, termos nos acostumado a desejar as coisas descartáveis, para serem depois substituídos com fúria. "Não conhecemos mais a alegria das coisas duráveis, fruto do esforço e de um trabalho escrupuloso", afirma ele. 
De fato, o frênesi da vida contemporânea nos impôs essa ideia de que a rotina é algo negativo e do qual não se pode tirar proveito nenhum. Claro que não se pode descartar a possibilidade de existirem determinadas rotinas no mínimo degradáveis, entretanto, há também rotinas saudáveis. Toda rotina, se sinônima de tédio, pode ser nefasta. Ao mesmo tempo, é injusto referir-se à rotina, em geral, como se ela não pudesse gerar alguns frutos que, como Bauman diz, podem ser duradouros.
Não posso acusar de mau o fato de, quase todos os dias, o menino do vizinho se dirigir a mim, pedindo que eu o ajude nas tarefas da escola, assim como não posso permitir que um livro permaneça fechado por longos dias, nem de deixar de brincar com meu filho... De certa forma, se na vida eu tivesse uma rotina produtiva, ela poderia ser completamente uma bagunça, senão um desespero.
Falemos em rotinas, em más, em boas. Mas queiramos, sobretudo, a rotina positiva, que imputará a execução de coisas boas. Essa rotina precisa ser como um poema agradável, belo e construído. Desse modo, essa rotina não nos cansará, não parecerá um tédio, ainda que seja exigente. Afinal, as atividades mais dolorosas são, às vezes, as que mais produzem. 

14 de fevereiro de 2015

22 de janeiro de 2015

Os heróis anônimos

Faz uns dias que eu penso no seguinte: quem quiser fazer o bem a seus pais, não os faça sofrer; ou, radicalmente, eu diria melhor: apronte-se de um tudo nessa vida, mas não se perturbe os pais, porque isso seria cometer um crime.
Esta ideia nasceu em minha cabeça motivada por tudo que percebera, por tudo que vejo ocorrer em relação às famílias, casos bons e degradáveis que diretamente envolvem os pais.
Imagine-se uma mãe que, depois de imenso sofrimento para cuidar do filho, convive com as ameaças dele; pense-se numa senhora idosa, cuja vida já levou o bom tempo, vivendo uma escravidão familiar. E pense-se ainda nos pais depressivos, ou porque os filhos perambulam pelos maus caminhos, ou porque estão acometidos por um mal medonho. E esses meninos, jovenzinhos, usuários de drogas ilícitas, quanto temor não causam a seus pais; essas meninas mortas-vivas nos horríveis casamentos, quanto temor oferecem a seus progenitores... 
Toda adversidade para um filho é também uma adversidade para o pai e para a mãe. Quando fiz o vestibular pela primeira vez sofri de medo, tristeza e ansiedade, mas vi nos olhos de minha mãe que ela sentia o mesmo que eu. Certas vezes, tomara decisões que pouco ou nada agradaram aos meus pais, sobretudo quando passei a querer vida própria, livre de enfias, porém eles aceitaram, pois viam-me contente e resoluto.
No Cristianismo há um mandamento sagrado: deve-se amar ao próximo como a si mesmo. E me parece que os pais são os primeiros e os melhores a cumprirem-no, porque amam os filhos sem medida, sem distinção, sem limite. Tomam decisões que, agradem ou não, resultam no melhor. Aliás, é preciso ser pai ou mãe para poder compreender a essência desses seres.
Se houver mesmo inferno e paraíso, como rezam as religiões, os pais deviam automaticamente ser contemplados a se sentarem nas cadeiras do paraíso, uma vez que ter filhos já implica em muito sofrimento.
A grande maioria dos pais quer a felicidade dos seus, felicidade esta que se resume em todos os filhos estarem bem, sem problemas que os agrave. Se há amor verdadeiro, é o amor dos pais pelos filhos. As outras categorias amorosas são meras adaptações desse amor essencial. E graças a tal amor é que os pais verdadeiros são personagens eleitos da vida sem fantasia; são, na verdade, nossos heróis anônimos, nossos protetores de todas as horas que em troca dessa proteção só querem a felicidade dos filhos, unicamente isso. Felicidade que, como pensava Aristóteles, é a junção de todas as coisas boas. 
Não devemos a vida aos nossos pais pelo simples fato de eles nos terem gerado, e sim pela intensidade com que eles se tornam nossos companheiros. Companheiros imediatos. Por isso há-se de criar uma cultura que tire os pais do anonimato, que os respeite e os coloque no topo do pedestal. Nunca será a retribuição de um favor, que eles não querem isso, e sim uma questão de honra, coisa que devemos exigir de nós mesmos.

22 de janeiro de 2015

27 de dezembro de 2014

As crenças nossas de cada dia

As crenças populares, que a filosofia e a ciência chamam de senso comum, estão constantemente presentes em nossa vida, no nosso dia a dia, e conseguem até deixar a nossa experiência mais significativa. A filosofia não despreza o saber da crença - nem o pode fazer -, mas a ele atribui significação, uma significação existencial.
Fora a filosofia, há a nossa vida, e ela sim é quem dá ao senso comum um sentido maior. Eu, por exemplo, cresci ouvindo minha mãe dizer que comer baião quente e tomar banho causava morte, o que se devia evitar; brigava também quando via a mim e a meus irmãos colocar as mãos na cabeça, pois segundo ela aquilo era agouro aos pais; e não se podia, ainda, almoçar ou jantar de cócoras, porque aquilo sinalizava o atraso. Todas essas crenças a minha mãe aprendeu com a sua mãe, que aprendeu com a mãe dela, que aprendera com outras mães.
Outras crenças nortearam o meu viver. Minha avó, ao almoço e janta, mistura a comida com farinha de mandioca, pois aprendeu que comer sem é comer escoteiro, e isso para ela significa algo maligno. Quando uma criança pequenina soluça muita gente diz: "Deus te dê água de batismo"; se essa mesma criança sentir dor no umbigo, mastigue-se cebola e ponha-se para umedecer. Não se varra a casa à noite, que azara. E não se guarde vassoura de trás da porta... Varrer os pés de outra pessoa, segundo aprendi, não traz casamento.
Tenho um tio que, quando lá em casa fazia-se a fogueira à noite, passava para conversar, e nas conversas rememorava o passado inteiro. Ensinou-nos uma experiência de mil anos: numa bacia com água, põe-se duas brasas, que representam um homem e uma mulher casados; a brasa que não afundar morrerá por último. As pessoas que assistiam ficavam mortos de medo daquela experiência.
Interessante é que esses saberes, essas crenças vão passando de geração a geração. Mesmo diante de tanta tecnologia e de desenvolvimento científico, mesmo diante de grandes novidades e do descartável, esses saberes não morrem; ao contrário, são revividos cada vez mais pelas pessoas. Há até filósofos que valorizam o senso comum, pelo seu caráter prático.
Particularmente, penso que tais crenças são imprescindíveis por darem à nossa vida aquele caráter misterioso que nos mobiliza. É o desafio que nos move: o desafio da vida, da morte, do medo. E as crenças são o modo que encontramos, muitas vezes, para conviver com esses desafios. As crenças só não podem ser o único modo de ver a vida, mas, fora isso, precisam enfeitar nosso viver e pôr de molho por um tempo a razão.

27 de dezembro de 2014.