29 de abril de 2015

A praga da opressão

O comportamento mais difícil, dificílimo, de entender e de aceitar é o daqueles que querem privar os outros de liberdade, que acorrentam-nos em suas precariedades, forçando-os a viver molestados, que os querem condenar sem dó nem piedade.
Quando digo “privar de liberdade” digo em sentido profundo. Porque a carência de liberdade pode ocorrer quando me impedem de falar ou de agir de acordo com uma vontade minha, se ignoram uma ideia que eu tenho... Mas isso nem é um problema grave perto de outras privações. Mais privados de liberdade estão aquelas pessoas que vivem cabisbaixas, violentadas em seus lares, sem poder seguir rumo senão o da submissão. Sem liberdade, essas pessoas confinam-se em seus cantos, amedrontadas, doentes, depressivas. Trocam sua felicidade pela proteção dos outros, se sujeitam a tudo quando são ameaçadas, punidas. Nesse momento só uma escuridão povoa as suas vidas.
E são muitas... Meu Deus, parece que é um número infinito de mulheres que vivem agredidas pelos seus MACHOS, nessas cidades pequenas, cujas leis parecem não existir. Nessas cidades onde a tradição desgraçada acostumou as pessoas a se sentirem infelizes, incrustando em sua natureza o temor, a aceitação da barbárie. Tradição decrépita que ensinou também a muitos sujeitos a querer dominar os que vivem consigo, colocando-lhes cabrestos com rédeas curtas.
Em troca de quê tira-se a liberdade de outrem? De um capricho ou de coisa parecida. Não é preciso muito conhecimento para aceitar que ninguém pode ser convertido em objeto de posse de ninguém. O sentimento de posse é uma doença, uma praga. A erradicação desse mal traria alegria a tanta gente. Eu precisei ter uma irmã carente de libertação para dizer isso? Não precisei, embora isso me fortaleça a ideia. Me ajuda a mostrar que não invento teoria, e sim escrevo baseado no que percebo, percebo e detesto.
Sartre tinha razão ao dizer que o homem está condenado à liberdade. A grande pena é que essa liberdade salva a uns, mas desgraça e condena a outros.

28 de abril de 2015

8 de março de 2015

Das tantas mulheres, uma eu não tive

No dia em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, penso no quanto uma presença feminina pode fazer falta na vida de uma pessoa. Eu tenho algumas frustrações e uma delas está relacionada diretamente a isso: é que, como muitas pessoas no mundo, eu não pude conhecer uma das minhas avós, a materna, que adormeceu antes mesmo de eu nascer, gerando a mim uma melancolia que, sem dúvida, não há de ser sanada nunca.
Não se pode comparar a perda de uma avó à perda de uma mãe, que é personagem mais forte em nossas vidas, ou melhor, personagem principal, por vezes determinante na vida de qualquer pessoa. Porém, eu tenho mãe, dessa alegria eu não fui poupado (devo dizer graças a Deus), o que a existência não me concedeu fora a outra avó, então, na minha constituição enquanto pessoa ficou uma lacuna irreparável.
Costumo, em meus momentos de reflexão, pensar que se a houvera conhecido construiria laços afetivos que não consegui construir com minha outra avó nem com meus avôs. Carência de afetividade, todo mundo sente um pouco alguma vez. Mas, tirando esse desejo afetivo, conheceria também uma outra filosofia de vida, outro modo de ser, sem dúvida diferente, uma vez que todo ser humano é ímpar. 
Lacuna maior ficou na vida minha mãe que, mesmo sendo mulher, viveu na pele  o que a falta de outra mulher, sua mãe, provocou na sua e na trajetória de seus irmãos. A começar pela separação da família, pois meu avô se casou novamente, sem assumir os filhos, que foram acolhidos pelos avós maternos. Além de perder a mãe, minha mãe ainda não teve irmãs, e já a vi dizer que sentia muito esse fato.
A mulher é a representação viva da sensibilidade, do amor incondicional. Na maioria das vezes depende dela, ou de quem represente esse papel, o sucesso ou não da vida familiar. Se um homem disse a seu filho pequeno: "Meu filho, não escute sua mãe", perderá seu temo, tão grande é a força da mulher, da mãe. E se um dia a vida de todas as pessoas se escusasse dessa sensibilidade feminina, não haveria caminho a andar, nada mais teria futuro algum.

8 de março de 2015

14 de fevereiro de 2015

A rotina positiva

Parece que há um mal entendido em relação à rotina de nossas vidas, pois até hoje todas as vezes que ouvi alguém mencioná-la foi para desmerecê-la, como se, em algum momento, não pudesse ter outra face, não pudesse ser boa.
Geralmente, as pessoas falam de rotina como sendo algo estafante, comum e repetitivo. Trabalho de rotina, por exemplo, é aquele que se faz todos os dias, mnemonicamente, constantemente cansativo e esdrúxulo. Dizer que um casamento está em crise significa dizer que caiu na rotina.
O sociólogo Zygmunt Bauman já dizia que o que nos faz ver a rotina com maus olhos, não a tolerando, é o fato de, desde que éramos pequenos, termos nos acostumado a desejar as coisas descartáveis, para serem depois substituídos com fúria. "Não conhecemos mais a alegria das coisas duráveis, fruto do esforço e de um trabalho escrupuloso", afirma ele. 
De fato, o frênesi da vida contemporânea nos impôs essa ideia de que a rotina é algo negativo e do qual não se pode tirar proveito nenhum. Claro que não se pode descartar a possibilidade de existirem determinadas rotinas no mínimo degradáveis, entretanto, há também rotinas saudáveis. Toda rotina, se sinônima de tédio, pode ser nefasta. Ao mesmo tempo, é injusto referir-se à rotina, em geral, como se ela não pudesse gerar alguns frutos que, como Bauman diz, podem ser duradouros.
Não posso acusar de mau o fato de, quase todos os dias, o menino do vizinho se dirigir a mim, pedindo que eu o ajude nas tarefas da escola, assim como não posso permitir que um livro permaneça fechado por longos dias, nem de deixar de brincar com meu filho... De certa forma, se na vida eu tivesse uma rotina produtiva, ela poderia ser completamente uma bagunça, senão um desespero.
Falemos em rotinas, em más, em boas. Mas queiramos, sobretudo, a rotina positiva, que imputará a execução de coisas boas. Essa rotina precisa ser como um poema agradável, belo e construído. Desse modo, essa rotina não nos cansará, não parecerá um tédio, ainda que seja exigente. Afinal, as atividades mais dolorosas são, às vezes, as que mais produzem. 

14 de fevereiro de 2015

22 de janeiro de 2015

Os heróis anônimos

Faz uns dias que eu penso no seguinte: quem quiser fazer o bem a seus pais, não os faça sofrer; ou, radicalmente, eu diria melhor: apronte-se de um tudo nessa vida, mas não se perturbe os pais, porque isso seria cometer um crime.
Esta ideia nasceu em minha cabeça motivada por tudo que percebera, por tudo que vejo ocorrer em relação às famílias, casos bons e degradáveis que diretamente envolvem os pais.
Imagine-se uma mãe que, depois de imenso sofrimento para cuidar do filho, convive com as ameaças dele; pense-se numa senhora idosa, cuja vida já levou o bom tempo, vivendo uma escravidão familiar. E pense-se ainda nos pais depressivos, ou porque os filhos perambulam pelos maus caminhos, ou porque estão acometidos por um mal medonho. E esses meninos, jovenzinhos, usuários de drogas ilícitas, quanto temor não causam a seus pais; essas meninas mortas-vivas nos horríveis casamentos, quanto temor oferecem a seus progenitores... 
Toda adversidade para um filho é também uma adversidade para o pai e para a mãe. Quando fiz o vestibular pela primeira vez sofri de medo, tristeza e ansiedade, mas vi nos olhos de minha mãe que ela sentia o mesmo que eu. Certas vezes, tomara decisões que pouco ou nada agradaram aos meus pais, sobretudo quando passei a querer vida própria, livre de enfias, porém eles aceitaram, pois viam-me contente e resoluto.
No Cristianismo há um mandamento sagrado: deve-se amar ao próximo como a si mesmo. E me parece que os pais são os primeiros e os melhores a cumprirem-no, porque amam os filhos sem medida, sem distinção, sem limite. Tomam decisões que, agradem ou não, resultam no melhor. Aliás, é preciso ser pai ou mãe para poder compreender a essência desses seres.
Se houver mesmo inferno e paraíso, como rezam as religiões, os pais deviam automaticamente ser contemplados a se sentarem nas cadeiras do paraíso, uma vez que ter filhos já implica em muito sofrimento.
A grande maioria dos pais quer a felicidade dos seus, felicidade esta que se resume em todos os filhos estarem bem, sem problemas que os agrave. Se há amor verdadeiro, é o amor dos pais pelos filhos. As outras categorias amorosas são meras adaptações desse amor essencial. E graças a tal amor é que os pais verdadeiros são personagens eleitos da vida sem fantasia; são, na verdade, nossos heróis anônimos, nossos protetores de todas as horas que em troca dessa proteção só querem a felicidade dos filhos, unicamente isso. Felicidade que, como pensava Aristóteles, é a junção de todas as coisas boas. 
Não devemos a vida aos nossos pais pelo simples fato de eles nos terem gerado, e sim pela intensidade com que eles se tornam nossos companheiros. Companheiros imediatos. Por isso há-se de criar uma cultura que tire os pais do anonimato, que os respeite e os coloque no topo do pedestal. Nunca será a retribuição de um favor, que eles não querem isso, e sim uma questão de honra, coisa que devemos exigir de nós mesmos.

22 de janeiro de 2015

27 de dezembro de 2014

As crenças nossas de cada dia

As crenças populares, que a filosofia e a ciência chamam de senso comum, estão constantemente presentes em nossa vida, no nosso dia a dia, e conseguem até deixar a nossa experiência mais significativa. A filosofia não despreza o saber da crença - nem o pode fazer -, mas a ele atribui significação, uma significação existencial.
Fora a filosofia, há a nossa vida, e ela sim é quem dá ao senso comum um sentido maior. Eu, por exemplo, cresci ouvindo minha mãe dizer que comer baião quente e tomar banho causava morte, o que se devia evitar; brigava também quando via a mim e a meus irmãos colocar as mãos na cabeça, pois segundo ela aquilo era agouro aos pais; e não se podia, ainda, almoçar ou jantar de cócoras, porque aquilo sinalizava o atraso. Todas essas crenças a minha mãe aprendeu com a sua mãe, que aprendeu com a mãe dela, que aprendera com outras mães.
Outras crenças nortearam o meu viver. Minha avó, ao almoço e janta, mistura a comida com farinha de mandioca, pois aprendeu que comer sem é comer escoteiro, e isso para ela significa algo maligno. Quando uma criança pequenina soluça muita gente diz: "Deus te dê água de batismo"; se essa mesma criança sentir dor no umbigo, mastigue-se cebola e ponha-se para umedecer. Não se varra a casa à noite, que azara. E não se guarde vassoura de trás da porta... Varrer os pés de outra pessoa, segundo aprendi, não traz casamento.
Tenho um tio que, quando lá em casa fazia-se a fogueira à noite, passava para conversar, e nas conversas rememorava o passado inteiro. Ensinou-nos uma experiência de mil anos: numa bacia com água, põe-se duas brasas, que representam um homem e uma mulher casados; a brasa que não afundar morrerá por último. As pessoas que assistiam ficavam mortos de medo daquela experiência.
Interessante é que esses saberes, essas crenças vão passando de geração a geração. Mesmo diante de tanta tecnologia e de desenvolvimento científico, mesmo diante de grandes novidades e do descartável, esses saberes não morrem; ao contrário, são revividos cada vez mais pelas pessoas. Há até filósofos que valorizam o senso comum, pelo seu caráter prático.
Particularmente, penso que tais crenças são imprescindíveis por darem à nossa vida aquele caráter misterioso que nos mobiliza. É o desafio que nos move: o desafio da vida, da morte, do medo. E as crenças são o modo que encontramos, muitas vezes, para conviver com esses desafios. As crenças só não podem ser o único modo de ver a vida, mas, fora isso, precisam enfeitar nosso viver e pôr de molho por um tempo a razão.

27 de dezembro de 2014.

16 de dezembro de 2014

A injustiça bem perto de nós

Eu não ia mais escrever crônica nenhuma este ano, mas me lembrei de um fato ocorrido recentemente que me incomodou, fazendo-me pensar que a injustiça está diariamente bem perto de nós, quando menos imaginamos, a vitimar alguém.
O fato foi este: um homem, meu vizinho, trabalhava para essa empresa que constrói asfalto e que está em nossa cidade, contratada pelo estado para realizar a obra de asfaltamento que liga o município ao Pernambuco; trabalhava, mas não trabalha mais, porque um dia o gerente disse: "Trabalharemos agora de domingo a domingo, sem dia de descanso". E o pobre homem, dentre tantos outros empregados, foi o único a dizer: "De modo nenhum, dia de domingo não trabalho nem pra minha mãe".Ocorreu que, realmente, ele não foi mesmo trabalhar no domingo,nem em dia nenhum: demitiram-no. 
Algum dogmático e alienado dirá que foi bem feito, pois quem é empregado deve saber obedecer ao patrão. Mas não é bem assim, porque se um homem diz que não quer trabalhar a semana inteira é porque, no mínimo, quer descansar com a família, ter um pouco de lazer e paz.
Ao ficar ciente desse fato, forma inumana de ditadura, cogitei que, como essa, há muitas outras formas de injustiça. Há, por exemplo, injustiça quando uma autoridade educacional ameaça: "Professora, se não me incluir o seu projeto não sai do papel"; há injustiça e opressão na voz do jornalista que diz: "Aqui, nessa rádio, só fala quem eu quiser"; há, entre outros modos, injustiça na voz satânica da presidente de sessão eleitoral  que usa de palavra violenta só porque alguém revida e quer esclarecimentos; injustos é o político que ordena aos funcionários contratados que votem em seu candidato, sob pena de perderem seu emprego.
A injustiça está tão perto de nós que é preciso um cuidado martelado para, de um lado, não sermos vítimas dela e, de outro lado, para não sermos nós os que faltam com a justiça. E que fique um último recado: ao diabo tudo e todos que tentam, para servirem unicamente a seus interesses, refrear a liberdade humana e ferir a dignidade das pessoas, porque, certamente, os injustos estão na condição de menoridade. A injustiça é uma patife. E os injustos, serão o quê?

14 de dezembro de 2014

7 de dezembro de 2014

Comigo ninguém pôde um dia

Quando pequeno, derrubei o guarda-louças de minha mãe, quebrando tudo o que havia nele e comprado a duras penas: uns copos de porcelana, uns pratos de vidro usados meramente quando alguém que não era de casa aparecia para os aperitivos, e objetos mais que costumam, por alguma razão, envaidecer as donas de casa.
Nestes dias, meu menino, de dois anos de idade, derrubou a estante da sala, já amolecida, de parafusos desencorajados, e, incontinenti, lembrei-me desse fato da minha infância.
Menino pequeno, não teve culpa de nada, movido pela curiosidade, pela criatividade de se esconder dentro do objeto, de explorar aquele ambiente... Do mesmo modo, também eu era pequeno e devia ter as outras qualidades, mas fui severamente castigado por meus pais, que quase enlouqueceram com o ocorrido. Levei umas cipoadas e mil e uma broncas deles, como a tradição mandava que se fizesse aos filhos marotos, donos da desordem e da inquietude.
Despertado por tudo isso e pelo que meu filho fez recentemente, penso que para ser efetivamente criança é necessário aprontar uma malinação grande. Grande, não, grandiosa! Ora! A mansidão não combina com ser criança. A passividade não há de contentar aos pequeninos. À criança é necessária nem que seja só uma oportunidade de realizar uma danação escandalosa, um feito extraordinário, uma obra miraculosa. 
Há uma expressão repetidamente utilizada pelos pais: "Com esse ninguém pode". É pronunciada em sentido negativo, porém devia ser uma espécie de elogio, porque um menino ou menina danados, com os quais "ninguém pode", estão inventando e reinventando-se o tempo todo em suas fases de aventura. Sorte da criança a quem se diz: "Com esse ninguém pode". Hoje, me dizem costumeiramente: "Manoel, que tranquilidade, hem"! Nem imaginam que um dia eu derrubei o guarda-louças da minha mãe, que levei surra de vassoura de garrancho por conta dos meus feitos. Nem sabem que já fui um menino com o qual, pelo menos uma vez na vida, ninguém podia. 
O meu desejo é que todas as crianças do mundo, mas sem correr risco de vida, sejam aquelas com quem ninguém pode, pois que pintando o sete no mundo é que podem, efetivamente, viver a plenitude da vida.

7 de dezembro de 2014