7 de dezembro de 2014

Comigo ninguém pôde um dia

Quando pequeno, derrubei o guarda-louças de minha mãe, quebrando tudo o que havia nele e comprado a duras penas: uns copos de porcelana, uns pratos de vidro usados meramente quando alguém que não era de casa aparecia para os aperitivos, e objetos mais que costumam, por alguma razão, envaidecer as donas de casa.
Nestes dias, meu menino, de dois anos de idade, derrubou a estante da sala, já amolecida, de parafusos desencorajados, e, incontinenti, lembrei-me desse fato da minha infância.
Menino pequeno, não teve culpa de nada, movido pela curiosidade, pela criatividade de se esconder dentro do objeto, de explorar aquele ambiente... Do mesmo modo, também eu era pequeno e devia ter as outras qualidades, mas fui severamente castigado por meus pais, que quase enlouqueceram com o ocorrido. Levei umas cipoadas e mil e uma broncas deles, como a tradição mandava que se fizesse aos filhos marotos, donos da desordem e da inquietude.
Despertado por tudo isso e pelo que meu filho fez recentemente, penso que para ser efetivamente criança é necessário aprontar uma malinação grande. Grande, não, grandiosa! Ora! A mansidão não combina com ser criança. A passividade não há de contentar aos pequeninos. À criança é necessária nem que seja só uma oportunidade de realizar uma danação escandalosa, um feito extraordinário, uma obra miraculosa. 
Há uma expressão repetidamente utilizada pelos pais: "Com esse ninguém pode". É pronunciada em sentido negativo, porém devia ser uma espécie de elogio, porque um menino ou menina danados, com os quais "ninguém pode", estão inventando e reinventando-se o tempo todo em suas fases de aventura. Sorte da criança a quem se diz: "Com esse ninguém pode". Hoje, me dizem costumeiramente: "Manoel, que tranquilidade, hem"! Nem imaginam que um dia eu derrubei o guarda-louças da minha mãe, que levei surra de vassoura de garrancho por conta dos meus feitos. Nem sabem que já fui um menino com o qual, pelo menos uma vez na vida, ninguém podia. 
O meu desejo é que todas as crianças do mundo, mas sem correr risco de vida, sejam aquelas com quem ninguém pode, pois que pintando o sete no mundo é que podem, efetivamente, viver a plenitude da vida.

7 de dezembro de 2014

3 comentários:

  1. EU APOSTO EM VOCÊ! GOSTO DE TUDO QUE VOCÊ ESCREVE.

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  2. Como sempre uma bela Crônica! Acabei por lembrar de minha infância e das muitas coisas que aprontei... rsrsrsrsrsrs
    Parabéns, Manoel! É sempre muito bom dá uma passadinha aqui em teu Blog e apreciar ótimas histórias que nos levam a grandes reflexões! Um grande abraço amigo!

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  3. Que texto bonito, Manoel! Eu sempre aprontei, mas apenas dentro de casa (risos). Nunca apanhei, mas já levei belos puxões de cabelo e sermões que pareciam mais severos que uma surra de "vassoura de garrancho". Quando vejo uma criança aprontando, também lembro de mim, dessa minha velha infância. Os adultos, esses com certeza, cometem muito mais traquinagens. Criança, como você disse não combina com mansidão. E se em casa que tem crianças, elas estão quietas, desconfie desse estranho silêncio, que é travessura na certa (risos). Abraços, poeta!

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