5 de janeiro de 2017

CRÔNICAS DA CIDADE ------ Enterraram o cachorro ali



O fato mais triste que me aconteceu esta semana, não tem dois dias, foi um anúncio de morte por uma voz murmurante. Não foi morte de gente, não. Foi morte de cachorro. Um cachorro nunca visto por mim – ainda bem.
Eu ia saindo de moto fazer a compra do pão, mal nascera o dia. E de repente apressou o passo uma velhinha, minha vizinha, que quase não fala nada. Mas veio correndo para me dizer tudo isso:
--- Como é que pode, hem? Vou embora daqui, não aguento... O povo pega e enterra um cachorro logo na frente da casa dos outros – e dizia-me com um pingo de voz.
E chorava. Chorava de verdade. Eu não quis chorar também. Mas fiquei sentido. Fiquei muito sentido. Eu juro! Eu disse, numa meia voz, que concordava com ela, que os vizinhos erraram ao enterrar cachorro ali. Porém, na realidade eu nem sabia o que pensar. Pareço não saber ainda. E nem quero dizer nada. Porque tocou-me mais a dor da senhora, a sua angústia em seu murmurar.
Não que não eu tenha dó do cachorrinho. Não também que não me apavore saber que ao lado da minha casa tem um cão enterrado. É de benzer-se. Deixar o bichinho acabar-se ao sol, na boca dos urubus, é mais humano. Cão enterrado? Não combina.
Eu soube de outros casos assim, em que se enterravam animais brutos, como costumam dizer. Casos piores, em que se mata um cão só por ele ser bom de galinha. Nos sítios, quando um cachorro comete um grande crime, dão-lhe uma surra de arrepiar a gente. Ainda mais um cachorrinho morto, o que não vão fazer? A intenção não tem maldades, entretanto, saber que bem perto enrolaram o cachorro incomoda um pouco.

E a imagem da senhora, atônita por me denunciar aquela malvadeza, desestrutura-me. Piedade natural? Decerto. Eu não sei explicar porque isso tem tanta força sobre mim. Nem preciso. Tem coisas que explicadas perdem o sentido.

5/1/2017

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