Faz uns dias que eu penso no seguinte: quem quiser fazer o bem a seus pais, não os faça sofrer; ou, radicalmente, eu diria melhor: apronte-se de um tudo nessa vida, mas não se perturbe os pais, porque isso seria cometer um crime.
Esta ideia nasceu em minha cabeça motivada por tudo que percebera, por tudo que vejo ocorrer em relação às famílias, casos bons e degradáveis que diretamente envolvem os pais.
Imagine-se uma mãe que, depois de imenso sofrimento para cuidar do filho, convive com as ameaças dele; pense-se numa senhora idosa, cuja vida já levou o bom tempo, vivendo uma escravidão familiar. E pense-se ainda nos pais depressivos, ou porque os filhos perambulam pelos maus caminhos, ou porque estão acometidos por um mal medonho. E esses meninos, jovenzinhos, usuários de drogas ilícitas, quanto temor não causam a seus pais; essas meninas mortas-vivas nos horríveis casamentos, quanto temor oferecem a seus progenitores...
Toda adversidade para um filho é também uma adversidade para o pai e para a mãe. Quando fiz o vestibular pela primeira vez sofri de medo, tristeza e ansiedade, mas vi nos olhos de minha mãe que ela sentia o mesmo que eu. Certas vezes, tomara decisões que pouco ou nada agradaram aos meus pais, sobretudo quando passei a querer vida própria, livre de enfias, porém eles aceitaram, pois viam-me contente e resoluto.
No Cristianismo há um mandamento sagrado: deve-se amar ao próximo como a si mesmo. E me parece que os pais são os primeiros e os melhores a cumprirem-no, porque amam os filhos sem medida, sem distinção, sem limite. Tomam decisões que, agradem ou não, resultam no melhor. Aliás, é preciso ser pai ou mãe para poder compreender a essência desses seres.
Se houver mesmo inferno e paraíso, como rezam as religiões, os pais deviam automaticamente ser contemplados a se sentarem nas cadeiras do paraíso, uma vez que ter filhos já implica em muito sofrimento.
A grande maioria dos pais quer a felicidade dos seus, felicidade esta que se resume em todos os filhos estarem bem, sem problemas que os agrave. Se há amor verdadeiro, é o amor dos pais pelos filhos. As outras categorias amorosas são meras adaptações desse amor essencial. E graças a tal amor é que os pais verdadeiros são personagens eleitos da vida sem fantasia; são, na verdade, nossos heróis anônimos, nossos protetores de todas as horas que em troca dessa proteção só querem a felicidade dos filhos, unicamente isso. Felicidade que, como pensava Aristóteles, é a junção de todas as coisas boas.
Não devemos a vida aos nossos pais pelo simples fato de eles nos terem gerado, e sim pela intensidade com que eles se tornam nossos companheiros. Companheiros imediatos. Por isso há-se de criar uma cultura que tire os pais do anonimato, que os respeite e os coloque no topo do pedestal. Nunca será a retribuição de um favor, que eles não querem isso, e sim uma questão de honra, coisa que devemos exigir de nós mesmos.
22 de janeiro de 2015
22 de janeiro de 2015
27 de dezembro de 2014
As crenças nossas de cada dia
As crenças populares, que a filosofia e a ciência chamam de senso comum, estão constantemente presentes em nossa vida, no nosso dia a dia, e conseguem até deixar a nossa experiência mais significativa. A filosofia não despreza o saber da crença - nem o pode fazer -, mas a ele atribui significação, uma significação existencial.
Fora a filosofia, há a nossa vida, e ela sim é quem dá ao senso comum um sentido maior. Eu, por exemplo, cresci ouvindo minha mãe dizer que comer baião quente e tomar banho causava morte, o que se devia evitar; brigava também quando via a mim e a meus irmãos colocar as mãos na cabeça, pois segundo ela aquilo era agouro aos pais; e não se podia, ainda, almoçar ou jantar de cócoras, porque aquilo sinalizava o atraso. Todas essas crenças a minha mãe aprendeu com a sua mãe, que aprendeu com a mãe dela, que aprendera com outras mães.
Outras crenças nortearam o meu viver. Minha avó, ao almoço e janta, mistura a comida com farinha de mandioca, pois aprendeu que comer sem é comer escoteiro, e isso para ela significa algo maligno. Quando uma criança pequenina soluça muita gente diz: "Deus te dê água de batismo"; se essa mesma criança sentir dor no umbigo, mastigue-se cebola e ponha-se para umedecer. Não se varra a casa à noite, que azara. E não se guarde vassoura de trás da porta... Varrer os pés de outra pessoa, segundo aprendi, não traz casamento.
Tenho um tio que, quando lá em casa fazia-se a fogueira à noite, passava para conversar, e nas conversas rememorava o passado inteiro. Ensinou-nos uma experiência de mil anos: numa bacia com água, põe-se duas brasas, que representam um homem e uma mulher casados; a brasa que não afundar morrerá por último. As pessoas que assistiam ficavam mortos de medo daquela experiência.
Interessante é que esses saberes, essas crenças vão passando de geração a geração. Mesmo diante de tanta tecnologia e de desenvolvimento científico, mesmo diante de grandes novidades e do descartável, esses saberes não morrem; ao contrário, são revividos cada vez mais pelas pessoas. Há até filósofos que valorizam o senso comum, pelo seu caráter prático.
Particularmente, penso que tais crenças são imprescindíveis por darem à nossa vida aquele caráter misterioso que nos mobiliza. É o desafio que nos move: o desafio da vida, da morte, do medo. E as crenças são o modo que encontramos, muitas vezes, para conviver com esses desafios. As crenças só não podem ser o único modo de ver a vida, mas, fora isso, precisam enfeitar nosso viver e pôr de molho por um tempo a razão.
27 de dezembro de 2014.
Fora a filosofia, há a nossa vida, e ela sim é quem dá ao senso comum um sentido maior. Eu, por exemplo, cresci ouvindo minha mãe dizer que comer baião quente e tomar banho causava morte, o que se devia evitar; brigava também quando via a mim e a meus irmãos colocar as mãos na cabeça, pois segundo ela aquilo era agouro aos pais; e não se podia, ainda, almoçar ou jantar de cócoras, porque aquilo sinalizava o atraso. Todas essas crenças a minha mãe aprendeu com a sua mãe, que aprendeu com a mãe dela, que aprendera com outras mães.
Outras crenças nortearam o meu viver. Minha avó, ao almoço e janta, mistura a comida com farinha de mandioca, pois aprendeu que comer sem é comer escoteiro, e isso para ela significa algo maligno. Quando uma criança pequenina soluça muita gente diz: "Deus te dê água de batismo"; se essa mesma criança sentir dor no umbigo, mastigue-se cebola e ponha-se para umedecer. Não se varra a casa à noite, que azara. E não se guarde vassoura de trás da porta... Varrer os pés de outra pessoa, segundo aprendi, não traz casamento.
Tenho um tio que, quando lá em casa fazia-se a fogueira à noite, passava para conversar, e nas conversas rememorava o passado inteiro. Ensinou-nos uma experiência de mil anos: numa bacia com água, põe-se duas brasas, que representam um homem e uma mulher casados; a brasa que não afundar morrerá por último. As pessoas que assistiam ficavam mortos de medo daquela experiência.
Interessante é que esses saberes, essas crenças vão passando de geração a geração. Mesmo diante de tanta tecnologia e de desenvolvimento científico, mesmo diante de grandes novidades e do descartável, esses saberes não morrem; ao contrário, são revividos cada vez mais pelas pessoas. Há até filósofos que valorizam o senso comum, pelo seu caráter prático.
Particularmente, penso que tais crenças são imprescindíveis por darem à nossa vida aquele caráter misterioso que nos mobiliza. É o desafio que nos move: o desafio da vida, da morte, do medo. E as crenças são o modo que encontramos, muitas vezes, para conviver com esses desafios. As crenças só não podem ser o único modo de ver a vida, mas, fora isso, precisam enfeitar nosso viver e pôr de molho por um tempo a razão.
27 de dezembro de 2014.
16 de dezembro de 2014
A injustiça bem perto de nós
Eu não ia mais escrever crônica nenhuma este ano, mas me lembrei de um fato ocorrido recentemente que me incomodou, fazendo-me pensar que a injustiça está diariamente bem perto de nós, quando menos imaginamos, a vitimar alguém.
O fato foi este: um homem, meu vizinho, trabalhava para essa empresa que constrói asfalto e que está em nossa cidade, contratada pelo estado para realizar a obra de asfaltamento que liga o município ao Pernambuco; trabalhava, mas não trabalha mais, porque um dia o gerente disse: "Trabalharemos agora de domingo a domingo, sem dia de descanso". E o pobre homem, dentre tantos outros empregados, foi o único a dizer: "De modo nenhum, dia de domingo não trabalho nem pra minha mãe".Ocorreu que, realmente, ele não foi mesmo trabalhar no domingo,nem em dia nenhum: demitiram-no.
Algum dogmático e alienado dirá que foi bem feito, pois quem é empregado deve saber obedecer ao patrão. Mas não é bem assim, porque se um homem diz que não quer trabalhar a semana inteira é porque, no mínimo, quer descansar com a família, ter um pouco de lazer e paz.
Ao ficar ciente desse fato, forma inumana de ditadura, cogitei que, como essa, há muitas outras formas de injustiça. Há, por exemplo, injustiça quando uma autoridade educacional ameaça: "Professora, se não me incluir o seu projeto não sai do papel"; há injustiça e opressão na voz do jornalista que diz: "Aqui, nessa rádio, só fala quem eu quiser"; há, entre outros modos, injustiça na voz satânica da presidente de sessão eleitoral que usa de palavra violenta só porque alguém revida e quer esclarecimentos; injustos é o político que ordena aos funcionários contratados que votem em seu candidato, sob pena de perderem seu emprego.
A injustiça está tão perto de nós que é preciso um cuidado martelado para, de um lado, não sermos vítimas dela e, de outro lado, para não sermos nós os que faltam com a justiça. E que fique um último recado: ao diabo tudo e todos que tentam, para servirem unicamente a seus interesses, refrear a liberdade humana e ferir a dignidade das pessoas, porque, certamente, os injustos estão na condição de menoridade. A injustiça é uma patife. E os injustos, serão o quê?
14 de dezembro de 2014
O fato foi este: um homem, meu vizinho, trabalhava para essa empresa que constrói asfalto e que está em nossa cidade, contratada pelo estado para realizar a obra de asfaltamento que liga o município ao Pernambuco; trabalhava, mas não trabalha mais, porque um dia o gerente disse: "Trabalharemos agora de domingo a domingo, sem dia de descanso". E o pobre homem, dentre tantos outros empregados, foi o único a dizer: "De modo nenhum, dia de domingo não trabalho nem pra minha mãe".Ocorreu que, realmente, ele não foi mesmo trabalhar no domingo,nem em dia nenhum: demitiram-no.
Algum dogmático e alienado dirá que foi bem feito, pois quem é empregado deve saber obedecer ao patrão. Mas não é bem assim, porque se um homem diz que não quer trabalhar a semana inteira é porque, no mínimo, quer descansar com a família, ter um pouco de lazer e paz.
Ao ficar ciente desse fato, forma inumana de ditadura, cogitei que, como essa, há muitas outras formas de injustiça. Há, por exemplo, injustiça quando uma autoridade educacional ameaça: "Professora, se não me incluir o seu projeto não sai do papel"; há injustiça e opressão na voz do jornalista que diz: "Aqui, nessa rádio, só fala quem eu quiser"; há, entre outros modos, injustiça na voz satânica da presidente de sessão eleitoral que usa de palavra violenta só porque alguém revida e quer esclarecimentos; injustos é o político que ordena aos funcionários contratados que votem em seu candidato, sob pena de perderem seu emprego.
A injustiça está tão perto de nós que é preciso um cuidado martelado para, de um lado, não sermos vítimas dela e, de outro lado, para não sermos nós os que faltam com a justiça. E que fique um último recado: ao diabo tudo e todos que tentam, para servirem unicamente a seus interesses, refrear a liberdade humana e ferir a dignidade das pessoas, porque, certamente, os injustos estão na condição de menoridade. A injustiça é uma patife. E os injustos, serão o quê?
14 de dezembro de 2014
7 de dezembro de 2014
Comigo ninguém pôde um dia
Quando pequeno, derrubei o guarda-louças de minha mãe, quebrando tudo o que havia nele e comprado a duras penas: uns copos de porcelana, uns pratos de vidro usados meramente quando alguém que não era de casa aparecia para os aperitivos, e objetos mais que costumam, por alguma razão, envaidecer as donas de casa.
Nestes dias, meu menino, de dois anos de idade, derrubou a estante da sala, já amolecida, de parafusos desencorajados, e, incontinenti, lembrei-me desse fato da minha infância.
Menino pequeno, não teve culpa de nada, movido pela curiosidade, pela criatividade de se esconder dentro do objeto, de explorar aquele ambiente... Do mesmo modo, também eu era pequeno e devia ter as outras qualidades, mas fui severamente castigado por meus pais, que quase enlouqueceram com o ocorrido. Levei umas cipoadas e mil e uma broncas deles, como a tradição mandava que se fizesse aos filhos marotos, donos da desordem e da inquietude.
Despertado por tudo isso e pelo que meu filho fez recentemente, penso que para ser efetivamente criança é necessário aprontar uma malinação grande. Grande, não, grandiosa! Ora! A mansidão não combina com ser criança. A passividade não há de contentar aos pequeninos. À criança é necessária nem que seja só uma oportunidade de realizar uma danação escandalosa, um feito extraordinário, uma obra miraculosa.
Há uma expressão repetidamente utilizada pelos pais: "Com esse ninguém pode". É pronunciada em sentido negativo, porém devia ser uma espécie de elogio, porque um menino ou menina danados, com os quais "ninguém pode", estão inventando e reinventando-se o tempo todo em suas fases de aventura. Sorte da criança a quem se diz: "Com esse ninguém pode". Hoje, me dizem costumeiramente: "Manoel, que tranquilidade, hem"! Nem imaginam que um dia eu derrubei o guarda-louças da minha mãe, que levei surra de vassoura de garrancho por conta dos meus feitos. Nem sabem que já fui um menino com o qual, pelo menos uma vez na vida, ninguém podia.
O meu desejo é que todas as crianças do mundo, mas sem correr risco de vida, sejam aquelas com quem ninguém pode, pois que pintando o sete no mundo é que podem, efetivamente, viver a plenitude da vida.
Nestes dias, meu menino, de dois anos de idade, derrubou a estante da sala, já amolecida, de parafusos desencorajados, e, incontinenti, lembrei-me desse fato da minha infância.
Menino pequeno, não teve culpa de nada, movido pela curiosidade, pela criatividade de se esconder dentro do objeto, de explorar aquele ambiente... Do mesmo modo, também eu era pequeno e devia ter as outras qualidades, mas fui severamente castigado por meus pais, que quase enlouqueceram com o ocorrido. Levei umas cipoadas e mil e uma broncas deles, como a tradição mandava que se fizesse aos filhos marotos, donos da desordem e da inquietude.
Despertado por tudo isso e pelo que meu filho fez recentemente, penso que para ser efetivamente criança é necessário aprontar uma malinação grande. Grande, não, grandiosa! Ora! A mansidão não combina com ser criança. A passividade não há de contentar aos pequeninos. À criança é necessária nem que seja só uma oportunidade de realizar uma danação escandalosa, um feito extraordinário, uma obra miraculosa.
Há uma expressão repetidamente utilizada pelos pais: "Com esse ninguém pode". É pronunciada em sentido negativo, porém devia ser uma espécie de elogio, porque um menino ou menina danados, com os quais "ninguém pode", estão inventando e reinventando-se o tempo todo em suas fases de aventura. Sorte da criança a quem se diz: "Com esse ninguém pode". Hoje, me dizem costumeiramente: "Manoel, que tranquilidade, hem"! Nem imaginam que um dia eu derrubei o guarda-louças da minha mãe, que levei surra de vassoura de garrancho por conta dos meus feitos. Nem sabem que já fui um menino com o qual, pelo menos uma vez na vida, ninguém podia.
O meu desejo é que todas as crianças do mundo, mas sem correr risco de vida, sejam aquelas com quem ninguém pode, pois que pintando o sete no mundo é que podem, efetivamente, viver a plenitude da vida.
7 de dezembro de 2014
1 de novembro de 2014
A idade de ouro da vida
Quando vejo
essas crianças e esses jovens, eu sinto alegria imensa; quando os vejo, em seu
estado de iluminismo, eu sinto uma inveja tremenda, inveja porque podem estar
vivendo essa fase de suas vidas, povoada de uma alegria quase natural, onde
tudo demonstra sentido de se viver.Eu fui
menino e adolescente e nunca vou me esquecer dessa dádiva, porque a vida não me
permitirá. “Quando crianças, não há preocupação que nos assalte”, costumamos
dizer a todo momento. Essa meia verdade é uma ideia comum. Mas não é a falta de
preocupação que me faz, no pensamento, querer reviver os tempos que tive. Na
verdade, eu era uma criança preocupada, como ainda hoje, porque a minha
infância não foi coroada. Só que, à parte as dificuldades, fora um tempo muito
bom.Primeiro
porque todo mundo estava em casa. Depois, porque se via a natureza da porta de
casa. Em seguida, porque a simplicidade nos fazia imenso bem. Por último, viver
parecia ser uma experiência profunda.Ao afirmar
“todo mundo estava em casa” quero expressar que a gente não tinha que sofrer
pela partilha da família, pela sua fragmentação, que sempre nos causa dor. Além
disso, parece que a gente se queria muito mais, num amor quase que sagrado.
Havia tremenda graça em se tomar um simples café arrodeados da fogueira em
noite de escuridão. A comida, de tardinha, ganhava mais gosto quando a mesa
punha-se repleta de gente, umas pessoas vivendo em prol das outras.Quando
criança habitei a zona rural, e por isso fui privilegiado, pois o contato com a
natureza me fez imenso bem. Os meses de chuva pareciam inexplicáveis e neles
vivíamos melhor. O verde transformava a paisagem, assim, ríamos com o tempo. A
minha avó e o meu pai tinham uma choupana de taipa, onde nos abrigávamos. Trabalhávamos,
colhíamos as melancias doces, os jerimuns, armávamos as arapucas... Todo mundo
punha-se a ralhar na roça (eu nunca tive grande coragem física, mas estava lá,
alegremente), e nos confortávamos na união.Rousseau, um
suíço do século do iluminismo, já dissera que em estado de natureza é a
simplicidade que domina, é a bondade original, livre de todos os males, que
permeia a vida do homem. É bonito esse romantismo pronunciado pelo mestre
Rousseau. Na infância e juventude normalmente ninguém pensa em ser mais, em ter
mais. Pensamos, sim, em crescer, pela curiosidade que a vida adulta nos
proporciona, em sair de casa, conhecer outros lugares e novas gentes,
assanhados por essa curiosidade.Não penso
que após deixarmos de ser crianças e jovens a vida perda a sua profundidade.
Não, pelo contrário. O que penso é que há, naquele momento da vida, mais gosto,
mais sentido em se viver. A vida adulta é resultado da própria natureza humana,
afinal de contas ninguém pode decidir se vai crescer ou não. Entretanto, ao
crescer perdemos alguma coisa: a família, os amigos, a simplicidade
terapêutica... Não há como voltar atrás, mas há, e isso é muito, como guardar
na memória esses grandes instantes de alegria e de bem viver. Hei de lembrar,
dia após dia, dos passeios que fazia com a minha avó na estrada desabitada,
para “roubar” manga; lembrarei dos banhos de chuva, das rezas da minha mãe...
Melhor do que voltar atrás é possibilitar que meu filho, hoje uma criança,
também viva momentos assim de felicidade e lembre-se deles com alegria.
Antigamente, a cigarra cantava e eu fazia versos inspirado por esse canto. Eu
quero que, sempre, a minha infância, como as cigarras e os grilos da noite,
cante para mim, para que eu possa escrever os versos que farão a minha vida expressiva, sempre desejada. Será o meu
passado se reafirmando no meu futuro. 25 de
outubro de 2014
1 de outubro de 2014
Rita doida, Rita alegre
Eu sempre quis, me lembro agora, escrever algumas palavras sobre Rita doida. Doida como ela há tantas, mas nenhuma igual. Mas não é sua loucura particular que me interessa; é que, desde menino, conheço Rita doida, o que me ajudou a ter um respeito imenso por ela.
Rita doida nora sozinha numa casa de paredes mal pitadas e pequena, na Rua São Pedro. Parece muito fácil dizer: "Aquela é a Rita doida, abestalhada, que nem juízo tem". Isso porque também é muito fácil ignorar que a Rita doida perdeu seus dois meninos, teve uma quase-morte, um trauma existencial. O resultado foi aquele enlouquecer que a fez perder a razão. E que pai ou mãe não seria uma Rita doida sofrendo uma fatalidade assim? Aos poucos, Rita doida foi também perdendo a mãe e o pai, ficando desamparada, e a loucura foi como que se generalizando.
Alta noite, ela conversa só, em alta voz, como se acompanhada de mais gente. Ora chora, ora diz palavrões, briga, dá estridentes gargalhadas, mostra-se valente. Quando se torna diminuta a loucura e ela quer ter um pouco de consciência, conta histórias reais,vividas por si,onde ela figura como heroína. Sempre lembrando dos seus. Noutros momentos, já sumida a sanidade, imita fantasmas, faz rir aos outros, adultos e a meninada local.
Rita doida não faz mal nenhum. Há, na rua, gente insensata que amedronta as crianças: "Corre, que a Rita doida te pega". Rita até gosta das crianças, pois já a vi dando moedinhas a elas. Quando uma criança tem gazes, Rita vai na sua casa, dá um trago no cigarro e joga a fumaça no umbigo para ver se a doença some. Rita quer bem aos pequenos da rua. Mais doida que a Rita é quem a explora, mandando-a colocar água na cabeça em troca de restos de couro de galinha ou de uma cuia de farinha. Muito mais louco que ela é quem detesta criança na rua, é quem a faz ir ao cemitério, de madrugada,prometendo-lhe dinheiro. Todos os desumanos são doidos, muito mais doidos que a Rita doida. Muita gente que julga a Rita tem uma certa loucura e ainda não sabe.
É necessário que eu diga em que consiste a peculiar loucura da minha amiga: é que ela, tendo todas as razões possíveis para se entregar a depressão e padecer, é uma doida alegre. Alegre no sentido de que nada faz se lastimando, e eté (senão nos instantes de profunda inconsciência) vive normalmente, como uma pessoa dotada de todas as capacidades mentais. Rita alegre, e não doida. Rita alegre que sabe alegrar, que faz rir, que não joga pedra, nem corre atrás de ninguém. Rita é da rua, e uma loucura alegre, como a dela, pode servir de remédio. Por isso mesmo é que nunca tive pena ou dó da Rita, pois nela sempre vi pairada uma luz, uma alegria rara. É que eu fui me formando para compreender a grandeza dos que socialmente se apequenam.
01 de outubro de 2014
Rita doida nora sozinha numa casa de paredes mal pitadas e pequena, na Rua São Pedro. Parece muito fácil dizer: "Aquela é a Rita doida, abestalhada, que nem juízo tem". Isso porque também é muito fácil ignorar que a Rita doida perdeu seus dois meninos, teve uma quase-morte, um trauma existencial. O resultado foi aquele enlouquecer que a fez perder a razão. E que pai ou mãe não seria uma Rita doida sofrendo uma fatalidade assim? Aos poucos, Rita doida foi também perdendo a mãe e o pai, ficando desamparada, e a loucura foi como que se generalizando.
Alta noite, ela conversa só, em alta voz, como se acompanhada de mais gente. Ora chora, ora diz palavrões, briga, dá estridentes gargalhadas, mostra-se valente. Quando se torna diminuta a loucura e ela quer ter um pouco de consciência, conta histórias reais,vividas por si,onde ela figura como heroína. Sempre lembrando dos seus. Noutros momentos, já sumida a sanidade, imita fantasmas, faz rir aos outros, adultos e a meninada local.
Rita doida não faz mal nenhum. Há, na rua, gente insensata que amedronta as crianças: "Corre, que a Rita doida te pega". Rita até gosta das crianças, pois já a vi dando moedinhas a elas. Quando uma criança tem gazes, Rita vai na sua casa, dá um trago no cigarro e joga a fumaça no umbigo para ver se a doença some. Rita quer bem aos pequenos da rua. Mais doida que a Rita é quem a explora, mandando-a colocar água na cabeça em troca de restos de couro de galinha ou de uma cuia de farinha. Muito mais louco que ela é quem detesta criança na rua, é quem a faz ir ao cemitério, de madrugada,prometendo-lhe dinheiro. Todos os desumanos são doidos, muito mais doidos que a Rita doida. Muita gente que julga a Rita tem uma certa loucura e ainda não sabe.
É necessário que eu diga em que consiste a peculiar loucura da minha amiga: é que ela, tendo todas as razões possíveis para se entregar a depressão e padecer, é uma doida alegre. Alegre no sentido de que nada faz se lastimando, e eté (senão nos instantes de profunda inconsciência) vive normalmente, como uma pessoa dotada de todas as capacidades mentais. Rita alegre, e não doida. Rita alegre que sabe alegrar, que faz rir, que não joga pedra, nem corre atrás de ninguém. Rita é da rua, e uma loucura alegre, como a dela, pode servir de remédio. Por isso mesmo é que nunca tive pena ou dó da Rita, pois nela sempre vi pairada uma luz, uma alegria rara. É que eu fui me formando para compreender a grandeza dos que socialmente se apequenam.
01 de outubro de 2014
9 de setembro de 2014
Idosos: baús da humanidade
Parece que quando, aos domingos, vou à missa me deixo
inebriar pelo cheirinho de perfume de alfazema que domina o grande salão da
igreja. Quero dizer o quê? Que me deixo fascinar por aquelas pessoas já idosas,
de grande idade, de face serena que põem-se sentadas nos bancos emadeirados,
fazendo-se em rezas e orações.
Me encanta,
nos senhores e senhoras, menos a idade expressiva do que o fato de saber que,
postos naquele nível da vida, viveram grandes experiências e as mais diversas.
Aí, indago a mim mesmo: que viveram esses idosos? São homens e mulheres que
provaram do mais salgado da vida, do mais doce até, do mais azedo, do mais
insosso por ventura. Não há nesse mundo do que não tenham provado. Tristeza e
alegria povoaram suas vidas, não há que duvidar. Gente que teve filho, que
lutou para os ver progredir; gente que, sem querer, perdeu a prole, quase
morreu de dor, sentiu a face em puro espanto; gente que, também, teve sua fase
de iluminismo, que cresceu na vida, vivendo de tudo e de tudo tirando algum
proveito e ensinamento.
Esses
velhinhos e velhinhas são o baú da humanidade. Um baú nunca é depósito de coisa
sem serventia. Ao contrário, do baú há de se tirar coisa bem proveitosa. Como
baús da humanidade, os idosos são exemplos, são fonte de sabedoria, de
inspiração para viver, para saber fazer-se no mundo. Os idosos são a memória do
mundo, por isso, fonte de saber. São a beleza do mundo, por isso, fonte de
poesia, de encanto.
Assim, penso
que a nossa cultura necessita ser uma cultuta que não só respeite, mas acima de
tudo ame os idosos. Eles que trouxeram a vida até aqui, guerrearam para vencer.
Grandeza mesmo reside em seus rostos magestosos. E, como afirmara a filósofa
Marilena Chauí, desvalorizar os idosos é negar a memória, negar o passado,
descartar a vida.
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